quarta-feira, 3 de junho de 2020

TRANSVALORAÇÃO DA VISÃO DO ATUAL CONCEITO DE NATUREZA

Syro Cabral de Oliveira


A Natureza, através de sua própria essência, entra em conflagração e se refaz de tempo em tempo. É o verdadeiro devir cíclico. Assim, as grandes pandemias, ao que nos parece, não deixam de ser um processo natural, que se manifesta periodicamente, onde ocorrem grandes concentrações ou aglomerações humanas, sem, no entanto, esquecermos que as próprias ações dos bandidos, muitas vezes, exercem também esse papeli, sobretudo quando se digladiam entre si, pois, somos parte do Cosmos e consequentemente agimos consoante as suas ações. Nesse sentido, é muito natural que, no campo das ações da natureza, se procurem encontrar deliberadamente responsáveis para os desastres que atingem os seres humanos, mesmo se sabendo que a própria natureza se encarrega espontaneamente de eliminar todos os excessos que ocorrem no seu interior. Isto porque somos produtos de uma cultura que nos incutiu hábitos de procurarmos encontrar, a qualquer custo, um culpado para todos os eventos que se manifestem no globo terrestreii, sejam eles naturais ou não, sem atentarmos sequer que somos uma fonte de pensamentos pessimistas. A razão disso se deve justamente ao fato de que fomos educados, ou melhor, modelados, há milhares de anos, dentro de um determinado paradigma que nos leva a vermos o mundo a partir de um único e mesmo ponto de vista e, que, mesmo assim, este nos parece absolutamente natural.

Nas áreas de grandes concentrações humanas, aliada a um consumo desenfreado, em que se estimula o homem a viajar para lugares distantes do globo terrestre, levando consigo dinheiro para gastar em ambiente de grandes aglomerações humanas, acaba também por espalhar doenças, que surgem a partir de hábitos de comportamento específicos de determinados povos. Fato esse que ocorre à semelhança dos pássaros e outros animais – claro, em uma escala menor –, que levam sementes diversas, inclusive as de ervas daninhas, através de suas fezes, espalhando-as a regiões longínquas. É, de um certo modo, a natureza agindo sorrateiramente.

Essa Ciência, tão idolatrada por um grande número de pessoas, que descobre e fomenta os meios que aumentam o bem-estar do homem, é a mesma Ciência, aliada à tecnologia, que, ironicamente, descobre meios que levam o homem a se deslocar, rapidamente, de uma extremidade a outra do globo terrestre, fazendo com que as doenças se igualem entre todos os homens.

É óbvio que isso se dá porque, justamente, os cientistas não procuram conhecer as consequências de suas descobertas, mas tão-somente se elas atingem cem por cento seus desígnios. O que importa, no âmbito da ciência médica, por exemplo, é que o antibiótico mate as bactérias, independentemente que mate também o paciente. É claro que se pensa, nesse caso específico, em termos numéricos. Se entre cem doentes, 60 ou 80% são salvos, não se leva em consideração os que morrem, infelizmente.

Depois da explosão de uma pandemia, só se mencionam as consequências e procuram encontrar somente os erros nos esforços de seu combate e seus respectivos responsáveis, sem jamais, no entanto, falar das causas do espalhamento do vírus e seus verdadeiros responsáveis.

Ao não se reconhecerem as ações espontâneas da natureza e procurarem sempre um responsável para as suas manifestações, não deixa de ser uma maneira equivocada de se verem as coisas em todo seu conjunto. Se subirmos ao cume das montanhas e olharmos para baixo, vamos perceber que as cidades são um grão de areia diante da vastidão das áreas verdes e das despovoadas. Portanto, os males que as pessoas podem causar ao meio ambiente são muito diminutos em relação à vastidão do universo terrestre intacto. Daí, podemos concluir, claramente, que o discurso que objetiva encontrar responsáveis para os danos ocorridos no meio ambiente, não deixa de ser uma tentativa de desviar os olhares das pessoas do verdadeiro projeto previamente definido, cujo escopo poucas são as pessoas que conseguem alcançá-lo ou vislumbrá-lo.

Sabemos que a maioria esmagadora das pessoas, independentemente do seu grau de instrução, é vítima da manipulação de discursos muito bem elaborados e arquitetados nos bastidores dos interesses ideológicos. Infelizmente ou felizmente, algumas pessoas, através de uma ordem espiritual, conseguem governar o mundo, por meio de ações de uma mão invisível, e conduzir o rebanho humano, mudando sua opinião frequentemente, para lá e para cá, à semelhança de um pêndulo de relógio que, ora está para um lado, ora está para um outro.

A maioria da população mundial é vista como um bando de pessoas que vive em um constante estado letárgico diante de uma minoria, muito lúcida, que conduz o grande rebanho. O próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, já fez menção a essa capacidade oratória de conduzir e modelar a opinião das pessoas.

No meio do cenário das representações da esfera de poder – quer seja no âmbito dos interesses políticos, quer no dos econômicos –, é certo que existe um embate, um jogo de forças que objetive acirrar os ânimos, ou melhor, estimular as emoções, numa palavra, as paixões humanas, segundo um plano preestabelecido de antemão. Nesse tabuleiro, as forças opostas digladiam-se constantemente para ocupar e controlar o espaço hegemônico do mando. Colocam-se em prática seus projetos de caráter persuasivo e logo em seguida querem ter conhecimento do resultado de suas ações, que se desenvolvem, às vezes, em um período de uma semana ou um pouco mais. Os Institutos de Pesquisas de Opinião Pública, que funcionam como uma espécie de termômetro, lançam sondagem de opinião para verificar os efeitos causados na sociedade advindos dessas ações. De acordo com o resultado, intensificam-se tais ações ou as modificam, com o objetivo de atingir seus fins almejados.

Seja lá como for, convocamos os nossos pares para uma grande reflexão em torno da realidade que nos cerca e, ao mesmo tempo, para o cultivo de uma vida isenta de perturbações, cheia de sentido e amor-próprio, para ser premiada de uma longevidade próspera e repleta de encantos.

É hora de repensarmos as nossas próprias ações e também as nossas passividades diante dos acontecimentos que nos afligem e, evidentemente, mudarmos os nossos comportamentos e paradigmas perante a realidade cruel, que nós mesmos a construímos, inconscientemente, e deixarmos a natureza agir em toda sua plenitude, tanto fora de nós como em nós mesmos, e sermos os nossos próprios terapeutas. Devemos abandonar toda espécie de artificialismo, que tem por objetivo último de eclipsar-nos em relação à atuação da natureza por si mesma, pois é certo que o homem não muda e tampouco controla as ações naturais, mas pode conhecê-las para conviver harmonicamente e sem temor com elas.

Deveríamos, desde muito cedo, procurar conhecer a nossa verdadeira constituição corporal e toda a nossa verdadeira natureza – visto que somos um microcosmo –, para que, desse modo, pudéssemos proceder os cuidados necessários de nós mesmos. Com efeito, afastamo-nos tanto de nossa própria natureza que chegamos até mesmo desprezar inteiramente o nosso próprio corpo, deixando-o, na maioria das vezes, em segundo plano e ao seu bel-prazer. Ingerimos líquidos e comemos alimentos que, muitas vezes, são totalmente prejudiciais ao nosso corpo, sem, no entanto, atentarmos para tais malefícios. Infelizmente, não nos conscientizamos suficientemente ainda de que o mal é o que entra pela boca e não o que sai, como muitos soem pensar. Nesse sentido, deveríamos a aprender a nos observar e, além disso, a selecionar tudo aquilo que terá, supostamente, uma potência de desencadear uma ação nociva em nós. Assim, com esse autoconhecimento, tornar-nos-íamos aptos a desenvolver uma técnica terapêutica que teria por objetivo a auxiliar-nos nos cuidados de nós mesmos.

Um processo de conscientização de que a mente é própria para governar, ao passo que o papel do corpo é o de obedecer, levar-nos-íamos, certamente, a uma superioridade em relação a povos que não procuram desenvolver esse aprendizado promissor, pois, não há corpos belos sem que haja de antemão mentes belas. Assim, deveríamos deixar de lutar incessantemente por uma beleza efêmera, constituída através de pinturas e adornos, mas liberarmos todas as nossas energias em prol de uma beleza duradoura e realmente contemplativa.

Uma boa educação nos levaria a conscientizarmos de que, muitas vezes, um médico, ao prescrever-nos uma droga, cujo efeito se manifesta exatamente ao contrário do que esperávamos, nem sempre isso ocorre em função de um erro do médico ou em virtude de sua ignorância acerca de seu campo de ação, mas porque, na maioria das vezes, desconhecemos a verdadeira natureza de nosso próprio corpo e, consequentemente, não sabemos fazer-lhe uma descrição precisa das manifestações sintomáticas apresentadas nele.

Assim, poderíamos concluir cabalmente que a grandeza do homem não está ligada, em hipótese alguma, às coisas advindas do seu exterior, mas, pelo contrário, está intimamente relacionada a uma mente sã e totalmente desapegada de um mundo material e escravizador da natureza humana. Uma medicina que busque meios para curar um doente de um mal qualquer, localizado em uma das partes do seu corpo, desassociando-o do todo, é uma medicina que quer apenas investigar os efeitos e não propriamente as causas. E, por conta disso, já dizia Platão, século V a.C., através de Sócrates: “Zalmoxis, rei da Trácia, atesta, na qualidade de Deus, que, assim como não se deve empreender curar os olhos sem haver curado a cabeça, não se deve igualmente fazê-lo para a cabeça sem se ocupar do corpo, de igual modo não se deve mais esforçar-se por curar o corpo sem se esforçar por curar a alma; mas que, se a maior parte das doenças escapam à arte dos médicos da Grécia, a causa disso é que eles desconhecem o todo de que é preciso cuidar, este todo sem o bom comportamento do qual é impossível que se comporte bem a parte. É na alma, com efeito, dizia meu Trácio, que para o corpo e para todo o homem, os males e os bens têm seu ponto de partida; é daí que eles emanam, como emanam da cabeça os que se relacionam à vista; é por conseguinte a esses males e a esses bens da alma que devem se dirigir nossos primeiros cuidados e nossos cuidados principais, se queremos que se comportem como é preciso as funções da cabeça e as do resto do corpo. Ora, dizia ele, é pelas encantações, bem-aventurado amigo, que se cuide a alma; essas encantações são os discursos que contêm belos pensamentos; ora, os discursos que são de tal sorte fazem nascer na alma sabedoria moral, cuja aparição e a presença permitem doravante causar facilmente a boa saúde na cabeça como no resto do corpo. Ora, ensinando-me tudo, com o remédio, as encantações, ele me dizia para não me deixar persuadir por ninguém de lhe cuidar a cabeça, sem que me tivesse entregue antes sua alma para ser cuidada por mim por meio da encantação! Acrescentava ele que era, relativamente às pessoas, o erro hoje de alguns médicos pretenderem ser médicos de uma das duas à parte da outra, e me recomendava com uma extrema insistência de não me deixar por ninguém, tão rico, tão nobre, ou tão belo fosse, persuadir de agir de uma outra maneira.”, Cármides,157 a-b.

Que lutemos, portanto, não somente em direção da construção de um sujeito autoafirmativo e imbuído de autoconhecimento, mas também em direção de um crescimento que parta do interior para o exterior….

iHá de se observar, por exemplo, a influência das fases da Lua sobre o ser humano.

iiA força da doutrinação religiosa sobrepuja, muitas vezes, as ações espontâneas do homem.


terça-feira, 12 de maio de 2020

O CACHORRO CORRENDO EM CÍRCULO NA TENTATIVA DE PEGAR O PRÓPRIO

Syro Cabral de Oliveira


Em nossa atualidade, os profissionais da ciência médica agem semelhantemente a policiais versus bandidos. Os bandidos saem na vanguarda, inovando a arte da malandragem, ao passo que a polícia se mantém na retaguarda, explicando as ações dos bandidos. Do mesmo modo é a ação de nossos especialistas da medicina. Aparece um novo vírus, causa estrago enorme, os cientistas da saúde descobrem uma vacina depois de todos os acontecimentos. Vem uma nova onda de vírus, aquela vacina se encontra em estado de démodé. Isso faz-nos lembrar também o comportamento dos profetas da economia, isto é, os economistasi. Fazem mil previsões das tendências do mercado financeiro e acertam duas ou três e ainda depois dizem: “Prevemos isso há três meses”, mas esquecem de mencionar que acertaram duas ou três em mil previsões.

Por que isso se dá? Porque esses especialistas querem aprisionar os conhecimentos, agir a partir de rigorosos métodos de investigação, em torno da natureza humana, e acabam produzindo sob pressão do rigor da necessidade, ao passo que, no caso dos bandidos, tudo se dá ao acaso e idem para os vírus. Se esses agentes da ciência médica voltassem suas pesquisas para encontrar um método que procurasse dar conta do que ocorre na atualidade dos eventos, que implicam doenças nos seres humanos, possivelmente, resolveriam os problemas, em torno das novas doenças, com maior rapidez. Mas isso se torna difícil, pois implica uma nova postura, um novo olhar, através de ângulos diferentes, diante da realidade do universo em questão. Mas, infelizmente, fechados em seus métodos de previsões certas, tornam-se absolutamente vesgos, porque se habituaram a ver o seu universo através de uma lente pigmentada, em vez de procurarem uma lente incolor. Ora, os nossos olhos conseguem ver todas as cores, porque, justamente, o nosso nervo óptico é incolor. Como as ciências não querem questionar os seus próprios métodos, passam a se comportar como os cachorros que, na tentativa de pegar o seu próprio rabo, ficam correndo em círculo.

A Ciência, tal como se coloca hoje em dia, cheia de pretensões, não permite um modo de pensar mais amplo. Não precisa buscar nada, pois ela é a autoridade máxima, um verdadeiro dogmatismo deliberado. Qualquer absurdo que se diga em nome dela não se pode questionar ou tentar contestar. Diante de uma tentativa de contestação, ouve-se imediatamente: “Mas isso tem fundamentação científica”. Não se percebeu ainda que as verdades científicas são provisórias. São verdades até quando não se prove o contrário.

No início, quando se descobriu o antibiótico – a penicilina – pensou-se que tinha descoberto o remédio para todos os males, ou seja, a verdadeira panaceia. Quando falhou em alguns pacientes, afirmaram que as bactérias tinham ganhado resistência. Aumentaram a dose e mataram o paciente também.

Tudo mudou com a teoria dos mutantes. Essa teoria permitiu-lhes um olhar mais amplo acerca dos problemas relacionados à saúde. A partir daí, procuraram descobrir outros antibióticos. E assim as coisas vão avançando. O que permite o avanço no campo dos conhecimentos é justamente o debate e os questionamentos.

A arrogância se tornou uma prática a tudo que está ligado à Ciência. A Academia possui toda a virtude da arrogância. Ela é o verdadeiro leito de procusto. E o pior de tudo é que a Imprensa e a Academia, instituições que têm por pretensão modelar as opiniões, ironicamente, não falam por conta própria. A Imprensa diz sempre segundo fulano, beltrano etc. A Academia, por seu turno, usa citações. Ambas não falam por conta própria, porque querem fugir, a todo custo, da responsabilidade. Nem uma nem outra quer responder pelos seus próprios atos.

Nenhum cientista pode se arriscar a falar por conta própria. Qualquer uma de suas publicações tem que ter o aval da chamada comunidade científica. Assim, o cientista pode dizer qualquer besteira, mas se foi publicada em uma revista científica, ninguém pode contestar.

Resolver o problema da pandemia do coronavírus através de isolamento total das pessoas, ao que nos parece, é reconhecer totalmente a incapacidade de se lidar com tal problema. Não deixa de ser uma demonstração da carência de conhecimentos científicos. Pois, uma proposta de solução dessa natureza não depende necessariamente de nenhum conhecimento científico.

Uma atitude dessa natureza faz-nos lembrar da ação do presidente da Petrobras, no governo Temer, para resolver a crise financeira pela qual a referida empresa estava mergulhada. Simplesmente, o nosso brilhante presidente associou o reajuste do petróleo e seus derivados, tais como os combustíveis, à variação do dólar, como se tivesse feito uma grande descoberta e uma excelente administração. Ora, olhar para dentro de si mesmo e somente ao seu redor, sem antevê as consequências de suas ações é revelar a maior de todas as ignorâncias. É como um físico que projeta uma bomba de alto poder de destruição, abrangendo um raio de dezenas de quilômetros de distância, sem levar em consideração que há milhares de seres humanos naquela área.

Obviamente, que não é o papel do cientista prevê as consequências danosas do seu feito, ou melhor, da sua obra-prima, pois trata-se de uma espécie de técnico e como tal, sua obrigação é unicamente de fazer seu artefato funcionar cem por cento. A decisão de prevê as consequências da ação do artefato desenvolvido pelo nosso majestoso cientista cabe ao governante, figura que deveria visar o bem comum.

Implorar pelo isolamento social é o mesmo que abrir mão simplesmente de sua prerrogativa ou competência essencial, que é a de avançar o máximo possível e incessantemente em direção da descoberta do que é próprio para a cura do doente, visto que a Medicina, como arte, não tem por objetivo propriamente curar o paciente, mas tão-somente procurar discernir os meios próprios para sua cura. Além disso, pensamos também que não é próprio da Medicina aconselhar o paciente a fugir da doença. Este último papel deveria ser reservado a uma outra arte. É como que um pseudo-mestre de artes marciais, em sua total incompetência, tentasse ensinar frequentemente aos seus alunos a maneira de como fugirem do adversário, quando se encontram na iminência de uma fragorosa derrota, em vez de prepará-los para desferirem golpes inusitados diante de um adversário terrível. A menos que o isolamento social proposto seja uma estratégia das economias desenvolvidas, para arruinar ainda mais as economias dos países em desenvolvimento, deixando claro que a Ciência, que deveria caminhar em direção da descoberta dos meios possíveis de curar o doente, tornou-se submissa a interesses escusos.

Quando as áreas específicas saem de seu domínio próprio e sugerem medidas, que são inerentes a outro âmbito do conhecimento para solucionar um problema, torna-se evidente o reconhecimento do seu próprio fracasso e assim assinando a sua incompetência no seu campo de investigação.

Se fôssemos verdadeiros mestres das artes marciais, jamais deveríamos treinar os nossos alunos a debandarem-se diante de uma derrota iminente, mas sempre deveríamos prepará-los para saídas inesperadas, que surpreendam o nosso adversário. Tentarmos descobrir meios de vencer o adversário depois da derrota é  o mesmo que querermos lutar por um consolo e satisfazermos o nosso próprio ego. Ora, isso não é, em hipótese alguma, um princípio de grandeza.

Quando uma Ciência se mostra totalmente incompetente em seu próprio domínio, coisa que Aristóteles, o pai das ciências, certamente não queria, não deixa de nos preocupar muito, pois, evidencia a autoridade da Academia, ou melhor, pseudoautoridade, na medida em que esta mesma Academia arroga para si mesma uma autoridade desassociada da realidade.

É preciso, no entanto, que as pessoas abandonem o hábito de ler apenas aquilo que os doutores escrevem ou indicam. Devemos nos tornar autônomos, sujeitos autoafirmativos e procurarmos trilhar os nossos próprios caminhos.

Há pessoas que confundem avanço da Medicina com o auxílio da tecnologia. Pensam elas que uma cirurgia realizada por meio de videolaparoscopia seria um avanço da ciência médica. É um ledo engano. O médico que domina esta técnica, com orgulho, não deixa de ser um serviçal da tecnologia. Um serviçal da indústria produtora desses aparelhos.

Essa turma que escolhe o curso de medicina, ultimamente, em sua maioria, parece-nos, que vai em busca apenas de um cheque em branco, ou seja, em busca de riqueza, porque bem sabe ela que a doença é uma constância no ser humano, sobretudo, em sociedades de alto nível de ignorância. A saúde está diretamente relacionada aos bons hábitos de vida e, evidentemente, a uma boa alimentação. Como as indústrias, ligadas ao ramo da alimentação, estão ávidas por lucros incomensuráveis, procuram, através de pesquisas, meios para aguçar o prazer de comer, principalmente, alimentos que pouco ou nada contribuem para uma vida saudável. Nessa esteira, vêm junto os pesquisadores de alimentos que causam determinadas doenças, com a finalidade de estimular seu consumo, visando altos lucros, por meio de comissões, através da venda de remédios. Criam-se as doenças e simultaneamente o remédio.

É possível que algumas pessoas vão compreender isso, que estamos colocando aqui, somente quando tiverem algum de seus membros da família sendo vítima de uma medicina claudicante, uma medicina que não se envergonha de defender os interesses de grandes grupos financeiros e donos de laboratórios.

iTrata-se de áreas do conhecimento relacionadas ao ser humano; logo, é impossível fazer previsão com rigor matemático.


terça-feira, 28 de abril de 2020

À CAÇA DE RESPONSÁVEIS PARA ENCOBRIR INTERESSES ESCUSOS


Syro Cabral de Oliveira

A nossa intenção, a princípio, foi em dar uma nota de rodapé acerca do termo discurso original, que frequentemente mencionamos em nossos textos, mas logo em seguida mudamos de ideia e preferimos escrever um texto em vez de continuarmos com a primeira decisão.

Quando falamos de discurso primário ou original queremos, com efeito, nos referir acerca das ondas de discursos que partem de uma fonte única e inteiramente desconhecida, que tomam conta do espaço, no noticiário, dos veículos de comunicação de massa, por um bom período de tempo.

No momento vigente, estamos presenciando um discurso cujo fundo é o tema saúde. Na sua vanguarda, aparecem personagens que têm por objetivo exclusivo de proliferá-lo e disseminá-lo a exaustão. Alguns desses personagens não são tão abrangentes, universais, tal como o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde – OMS –, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Há outros ainda que são estritamente de caráter local, como figuras do tipo do ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que se comunica diretamente com as massas de sua própria língua.

Essas ondas de discursos são temporárias e sazonais e nem poderiam ter duração muito longa, porque se desgastariam e logo perderiam sua credibilidade. Seu objetivo é causar impacto, muito barulho e confundir a opinião das pessoas de um modo geral e desviar sua atenção dos problemas maiores. Têm que ser rápido, pois, do contrário, as pessoas perceberiam seus truques e suas verdadeiras intenções.

Não vai tardar muito, ao aproximar-se o período da estiagem e, em seguida, o das queimadas – incêndios florestais –, os referidos veículos de comunicação retomarão o discurso paranoico dos ecologistas de plantão. Assim, essas ondas de discursos vão se revezando, sem que as pessoas sequer percebam que há grandes interesses bem determinados por trás das fontes poderosas do capital internacional, que financiam e contornam o modo de pensar das pessoas.
Secas, tsunamis, chuvas torrenciais, furacões, vulcões são fenômenos da natureza, que ocorrem periodicamente e que, no passado, eram considerados divindades, devido a sua força incontrolável pelo homem. Entretanto, não há nenhum esforço, por parte dos governantes, que objetive esclarecer e conscientizar as pessoas, através de uma boa educação, acerca da natureza desses fenômenos e também das suas periodicidades. O que se objetiva mesmo é eleger responsáveis pelos danos causados por tais fenômenos, como se a causa das secas, por exemplo, fosse, de fato, o desmatamento.

Na Idade Moderna, com o avanço das ciências, o homem passou a pensar que o objetivo da Ciência era o de dominar a natureza. No entanto, mesmo diante do grande poder científico e financeiro dos Estados Unidos da América do Norte e do Japão, estes países não conseguem dominar os furacões e tsunamis, respectivamente.

Ocultamente, os representantes do grande capital financeiro internacional, nos bastidores, se articulam e financiam propagadores dos acontecimentos naturais e não naturais que ocorrem periodicamente – tais como pandemias, secas, furacões, ameaças de guerras etc. – e incitam-nos a dar-lhes uma dimensão descomunal, causando apreensão, insegurança, temor, angústia nas pessoas, com o único intuito de desviar a atenção dos telespectadores e, silenciosamente, realizarem seus mirabolantes projetos, sem que as populações mundiais deem conta das suas verdadeiras intenções. Assim sendo, eles vão se firmando e fortalecendo sua hegemonia no âmbito mundial, tal como a da China da atualidade e a de todos os gigantes da informática e dos fabricantes de equipamentos eletrônicos. Nesse sentido, recrutam pessoas certas para os lugares certos, sempre usando de dissimulação para dar um ar de que tudo ocorreu naturalmente. O atual diretor-geral da OMS se apresenta como uma figura central e possuidora de grande autoridade a respeito dos assuntos relacionados à saúde. Para tanto, ele se apoia no discurso científico. Discurso este que se tornou inquestionável, pois as ciências são a autoridade máxima, a deusa e, obviamente, o que uma deusa dita, não se pode questionar, como já fizemos referência em nosso texto Pseudo princípio de autoridade e complexo de rotulação.

A partir do discurso do Ghebreyesus, vários outros discursos são disseminados e propagados em alta velocidade. Entretanto, essas pessoas, que são escolhidas para fazer parte dessa cadeia de discursos, não estão ali por acaso. Elas se encontram ali, porque, de certo modo, possuem um talento especial para tal. Mesmo falando em inglês e poucas pessoas entendendo a fala do diretor-geral da OMS, a maioria das pessoas sente prazer em ouvi-lo, simplesmente, porque seu discurso é musical e causa prazer aos ouvidos e apazígua a alma. Dessa forma, também, é o que passa com o senhor Mandetta. Seu objetivo maior, fica claro pelo seu tom de voz, é mesmo surfar na crista das ondas dos discursos. Assim sendo, seu discurso é vazio de conteúdo, mas é inteiramente estribado na retórica e, além disso, é inebriante, altamente musical e aveludado, sem nenhum objetivo definido.

O discurso retórico, em si, não precisa ter conteúdo, basta ser agradável. É como uma letra de uma determinada música, que consiste apenas em uma única frase, mas, mesmo assim, quando cantada, seduz inteiramente seus ouvintes.

Existe para cada pessoa um dom especial. Não adianta tentar-se ser cantor sem que existam, de antemão, qualidades que proporcionem a realização de tal tentativa. Na fábula A lamentação do pavão, um pavão lamentou-se a deusa Hera por não possuir uma voz tão suave como a do rouxinol, dizendo que “seus gritos causam horror a toda gente”. Hera disse que o rouxinol tem sua bela voz, mas que o pavão possui beleza e majestade. Entretanto, o pavão replicou, dizendo “de que serve a minha beleza, se outro pássaro tem uma voz mais bela?” Hera “mandou o pavão embora, dizendo-lhe que cada criatura recebeu um talento especial. Tu recebeste a beleza, a águia tem força, o rouxinol tem uma voz melodiosa, o papagaio fala e a pomba tem sua inocência. Cada um tem de contentar-se com as suas qualidades e, se não queres continuar a sentir-te infeliz, é o que tens de fazer.”

É preciso que as pessoas aprendam a valorizar-se a si mesmas, pois, do contrário, levarão uma vida sem sentido, sem perspectiva e inteiramente melancólica, vagando, por esse mundo afora, sem rumo. Desde cedo, devemos procurar nos conhecer e nos vermos, através de uma espécie de espelho, quem somos e procurarmos descobrir quais são os nossos verdadeiros talentos. Esses homens, que falam com desenvoltura e arrebanham grandes multidões, não têm em vista, normalmente, o bem alheio, mas, quase sempre, eles procuram preencher o vazio do seu ego. Eles investem, desde uma tenra idade, nas tendências que se afloram em seu agir quotidiano. A frase socrática “Conhece-te a ti mesmo”, parece-nos muito pertinente em relação a esse contexto. Assim, para que se represente um papel de um ato de loucura, com o máximo de realismo, no teatro, não há nada mais acertado do que contratar um ator que se manifeste tendências à loucura. Não devemos jamais ser fingidos, mas sempre devemos ser realmente o que somos. A nossa espontaneidade é, certamente, uma virtude.

É preciso que não percamos tempo com coisas fúteis e alheias a nós. Há pessoas que perdem mais tempo, em toda sua vida, em preocupar-se com a vida das outras pessoas do que se ocupar propriamente consigo mesmas. É como diz Cioran, em seu livrinho História e utopia, “Detestamos aqueles que 'escolheram' viver na mesma época que nós, que correm a nosso lado, que entravam nossos passos ou nos deixam para trás. Em termos mais claros: todo contemporâneo é odioso. Conformamo-nos com a superioridade de um morto, jamais com a de um vivo, cuja simples existência constitui para nós uma censura e uma acusação, um convite às vertigens da modéstia. Que tantos semelhantes nos ultrapassem é uma evidência intolerável que esquivamos nos arrogando, por uma astúcia instintiva ou desesperada, todos os talentos e atribuindo-nos a vantagem de ser únicos. Sufocamos perto de nossos êmulos ou nossos modelos: que alívio diante de suas tumbas! O próprio discípulo só respira e se emancipa com a morte do mestre. Todos nós, enquanto existimos, invocamos com nossos desejos a ruína daqueles que nos eclipsam com seus dons, com seus trabalhos ou com suas façanhas, e esperamos ansiosamente, com avidez, seus últimos momentos. Alguém se eleva, em nosso setor, acima de nós e é razão suficiente para que desejamos nos ver livres dele: como perdoar-lhe a admiração que nos inspira, o culto secreto e doloroso que lhe consagramos? Que desapareça, que se afaste, que morra enfim, para que possamos venerá-lo sem dilaceramento, sem amargor, para que cesse nosso martírio!”

Para cada pessoa, há um papel específico e bem definido. E é isso que os mandatários procuram ver em cada pessoa que vai ser designada para ocupar um determinado cargo. O diretor-geral da OMS não ocupa esse cargo por acaso. Ele apresenta, de antemão, as qualidades certas para ser o porta-voz de um discurso totalmente bem elaborado por um grupo, que poderíamos dizer assim que, ocultamente, governa o mundo. Os âncoras, jornalistas, repórteres etc. são seus porta-vozes. Ou seja, são os profissionais, cheios de vaidade, que inflam o peito – à semelhança das Musas, exortadas pelo grande Zeus, imbuído de poder e portador da égide, a exaltarem as glórias dos deuses –, proliferam e disseminam as ideias que interessam ao grupo do capital dominante. Platão, no Íon, 533d, apresenta também semelhante ideia, através da pedra magnética. Pedra esta que “não somente atrai os anéis de ferro, mas lhes comunica a virtude de produzir o mesmo efeito e atrair outros anéis, de sorte que se vê algumas vezes uma longa cadeia de pedaços de ferro e de anéis suspensos uns aos outros, que todos tomam emprestado sua virtude desta pedra. De igual modo, a Musa, por si mesma, inspira o poeta, este comunica aos outros a inspiração e se forma uma cadeia inspirada”, que segue a seguinte ordem: Musas inspiradoras inspiram o poeta, que inspira o ator, que inspira o espectador.

A vida é um verdadeiro teatro. Brasília, a Casa Branca, nos Estados Unidos da América do Norte, a Casa Rosada, na Argentina etc., por exemplo, são o palco. Os políticos, eleitos pelo povo, são os atores. O povo, em sua totalidade, é o espectador. Os deputados, os senadores, os ministros e os presidentes das Repúblicas se contracenam diariamente entre si. Muitas vezes, se fingem de opositores, mas nos bastidores estão todos unidos, entre afagos e gargalhadas, ao comentarem as suas façanhas ao longo de cada dia.

Muitas vezes, é no momento de um barulho intenso que o nosso sono, ironicamente, se torna pesado e letárgico. Porém, ao despertarmo-nos já é tarde demais, embora tivéssemos sido advertidos, por meio de alguns presságios, do perigo que estava a caminho.

É de ter-se em mente a ideia de que as coisas costumam ganhar proporção e contornos bem definidos rapidamente, de modo a não nos mais permitir que impeçamos a sua evolução. E é quase sempre assim mesmo: enquanto uma maioria dorme sossegada e profundamente, há uma minoria de pessoas trabalhando, sem cessar, silenciosamente. É nesse ínterim que somos engolidos pelas ondas gigantes, que tomam todo o espaço da praia, antes mesmo que pudéssemos delas nos proteger em tempo hábil.

Assim sendo, rogaríamos às pessoas a não perderem tempo em momento algum, sobretudo nesses momentos de crises cruciais, mas a trabalharem com muito afinco, desconfiando de quase tudo, e em especial, das cantilenas que nos chegam através de vozes suaves e muito agradáveis, pois, haveremos de convir que muitas Musas inspiradoras haverá ainda de vir.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

ERA DA MENTE ESCRAVA


Syro Cabral de Oliveira

A vaidade, a busca de um vazio incessante, tem levado as pessoas atualmente a perseguirem um progresso ilusório, um modelo de vida de uma complexidade sem paralelo, que, possivelmente, jamais foi visto até então, em relação à natureza humana. As sociedades deixaram-se enganar rapidamente por falsas promessas de um mundo melhor e de um bem-estar que, provavelmente, largarão para trás um custo que talvez jamais se tenha visto em toda a história da humanidade.

                         É possível que a crise pela qual o mundo está atualmente vivendo deixará feridas expostas jamais presenciadas. Isto porque as pessoas deixaram, sem se perceberem, se seduzir por um discurso sorrateiro, traiçoeiro, sub-reptício, enganador, fantasioso, cheio de encanto e truques dos mais bem elaborados de todas as épocas, que tem por objetivo último modelar o modo de pensar das pessoas nos tempos atuais. Pois é notório que tal discurso invade nossos lares, todos os dias, devagarinho e silenciosamente, com o nosso próprio consentimento, e vai se alojando em nossas mentes, a conta-gotas, à semelhança das doses homeopáticas, construindo em nós um modo de pensar totalmente uniforme. Não é que ele seja excelente por si mesmo, mas porque ele nos chega dentro de uma embalagem eletrônica, mesclado de mistérios, e que, de certa forma, é compartilhado facilmente entre todos os usuários das redes sociais e também disseminado simultaneamente, através de todos os veículos de comunicação de massa. Além desse compartilhamento direto, esse discurso nos chega permeado de um pragmatismo altamente sedutor, de modo que, nunca é demais acrescentar que o modelo atual de educação, voltado para uma formação totalmente pragmática, tem por objetivo preparar o terreno para a sua penetração em todos os segmentos das sociedades. Pois sabe-se, evidentemente, que foi deixada inteiramente de lado uma educação que teria por objetivo último primar para uma real formação do ser humano. Uma formação que permita ao homem a se conhecer a si mesmo e o mundo que o rodeia. Uma formação que permita de fato ao homem se defender das cantilenas persuasivas e altamente sedutoras.

                         Nesse aspecto, o homem de hoje tornou-se um animal indefeso, vulnerável facilmente a determinadas ideologias e sujeito a toda uma construção meramente artificial, que visa, acima de tudo, a atingir alvos predefinidos pelo pensamento dominante.

                         As consequências dessa pandemia do coronavírus, certamente, serão incomensuráveis diante das estruturas ideológicas que o mundo está atualmente submetido. Ou seja, o mundo tornou-se prisioneiro de um modelo de capital que visa apenas o aqui e o agora, sem levar em consideração, propriamente dito, a presença dos seres humanos que contracenam nesse cenário capitalista. Além disso, o modelo econômico vigente, mesclado com o poder político e seus interesses escusos, que subjazem em suas profundezas enigmáticas, naturalmente, vai deixar um ponto de interrogação para todos os acontecimentos que estão se dando em nossa atualidade.

                         É possível que alguém diga, perante uma afirmação dessa natureza, em tom de ironia, o seguinte: “Oh, você está sendo um tanto pessimista!” E, logo em seguida pondera e afirma que as pandemias não são um caso novo. “Elas existem desde os primórdios da humanidade. Vejamos alguns exemplos recentes que se acham historicamente registrados. Peste Bubônica, século XIV; Peste de Marselha, século XVIII; Gripe do Frango e AIDS, século XX etc.”

                        Esses exemplos não deixam de ser uma pura verdade e são incontestáveis. Ninguém negaria esses fatos. O que muitas pessoas não veem e nem percebem são as circunstâncias que o mundo se encontra quando as pandemias ocorrem. As consequências das crises naturalmente são muito diferentes umas das outras em relação ao contexto do momento em que elas se dão.

                        Vejamos, então: o homem do século XXI tornou-se inteiramente dependente das tecnologias, das chamadas descobertas científicas, dos meios de produção agrícolas concentrados nas mãos de poucos produtores etc. Ou melhor: o homem do século XXI não se preocupou em buscar sua independência, sua liberdade, numa palavra, se libertar da escravidão. Pelo contrário, ele contribuiu e muito para o avanço de sua própria escravidão, quando procurou caminhar somente em direção da busca incessante dos confortos físicos, das facilidades oferecidas pelas tecnologias, em todos os sentidos. Ele não procurou se atentar que suas ações, embora inconscientes, só serviram para dar um grande impulso para a concentração da produção de alimentos e de todos os bens necessários à sua própria subsistência nas mãos de pequenos grupos poderosos e detentores dos instrumentos de produção, seja nos campos, seja em todos os domínios industriais. O homem comum, assalariado, tornou-se, por seu turno, um ser dependente dessa cadeia produtiva de bens de consumo, em nome de confortos e prazeres desenfreados e, também, de uma comodidade paradisíaca, sem atentar para as coisas mais simples que nos são absolutamente indispensáveis à nossa subsistência. Ele não foi capaz de perceber que todos esses confortos, construídos atualmente, não deixam de ser, em sua maior parte, um instrumento de domínio, através da dependência. Pois sabe-se que, com toda clareza, que a estimulação de desejos de consumo é uma das maiores ferramentas que proporcionam o domínio humano.

                        Seus hábitos de vida, quer de como comportar-se no dia a dia, de alimentar-se, de vestir-se etc. foram sub-repticiamente mudados. Criaram-se vícios de paladares, de modo a fazer com que as pessoas apeteçam alguns alimentos e rejeitem outros. De sorte que é possível que uma pessoa, hoje em dia, morra de fome, ainda que haja alimentos em abundância em sua própria casa. Em um diálogo entre Sócrates e o sofista Antífon – Xenofonte –, este último “supunha que a filosofia necessariamente aumentasse a felicidade de cada um” e, logo um pouco adiante acrescenta, que os frutos que Sócrates tem dela colhido “são aparentemente muito diferentes.” “Por exemplo – diz ele –. estás vivendo uma existência que levaria até um escravo a abandonar seu senhor. O que comes e bebes é o que há de mais pobre; o manto que usas, além de precário, jamais é trocado, no verão ou no inverno; por outro lado, sempre andas descalço e sem túnica. Além disso, te recusas a receber dinheiro, cuja mera obtenção já constitui uma alegria, ao passo que o ter torna a pessoa que o possui mais independente e feliz…”

                        Entre outras coisas, Sócrates replicou o sofista da seguinte maneira:

                        (…) “em caso dos amigos ou do Estado necessitar de ajuda, quem disporá de mais folga para atender às suas necessidades? Aquele que vive como vivo agora ou aquele cuja vida classificas como feliz? Quem considerará servir como soldado tarefa mais fácil? Quem não é capaz de sobreviver sem alimento caro ou quem se contenta com o que pode obter? Quem, ao ser sitiado, será o primeiro a se render? Aquele que deseja o que é de difícil aquisição ou aquele que é capaz de se arranjar com qualquer coisa que esteja disponível?”

                        “Parece, Antífon, que imaginas que a felicidade consiste de luxo e extravagância. Acredito, contudo, que é divino não ter necessidades; tê-las o mínimo possível aproxima-se do divino. E como aquilo que é divino é o mais excelente, aquilo que mais se aproxima de sua natureza, está mais próximo do mais excelente.”

                        Diante do exposto acima, convocaríamos as pessoas a se unirem em torno de si mesmas e procurassem fazer uma séria reflexão acerca do sentido da vida e de todas as coisas que se encontram ao seu redor. Procurassem também, ao mesmo tempo, questionar a si mesmas sobre as coisas que as afetam e que, além disso, fossem diretamente ao ponto crucial que nos interessa, ou seja, que questionassem se o mundo é ruim em si mesmo, ou, na verdade, é um produto, ou, em última análise, uma construção de nossas ações emanadas dos nossos pensamentos.

                        Se concluirmos que o mundo é um produto de nossas próprias ações, concluiríamos simultaneamente também que o mal não está nas coisas fora de nós, mas que o mal é um produto de nossos pensamentos e consequentemente de nossas ações. Logo, o mundo é um resultado do que pensamos e fazemos.

                        Então, somos escravos, na verdade, não em virtude das coisas que advêm do exterior, mas, na realidade, porque permitimos que alguém nos escravize. E a pior escravidão de todas as escravidões é a escravidão mental.

terça-feira, 14 de abril de 2020

À NATUREZA HUMANA NÃO CABE O RIGOR MATEMÁTICO


Syro Cabral de Oliveira

Em entrevista ao Fantástico, TV Globo, domingo, 12 de abril de 2020, o ex-deputado federal eleito pelo Mato Grosso do Sul e atual ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou o Mito da Caverna, de Platão, dizendo que “é pela ciência que se sai da caverna da ignorância.” Em relação a essa entrevista, circula um texto, sem autor, nas redes sociais, em especial, no WhatsApp, que achamos pertinente citar um trecho do mesmo aqui e fazermos as nossas ponderações. Eis abaixo o excerto do referido texto:

Então, para sair verdadeiramente para fora da caverna, é preciso essa prova ética de autenticidade pondo-se frente a frente a si mesmo, adequando discurso e prática. Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos. Estes que não têm autenticidade e ética Platão os chama de “sábios da caverna”, que se aproveitam da servidão e posam de sábios e chefes, quando na verdade são tiranos. Para Platão, a luz científica é capaz de conduzir apenas à boca da caverna. Pois para sair realmente da caverna, é preciso a luz ética. E o mais importante: quem sai, vence a si mesmo primeiro e vê como é o mundo que existe fora da caverna, porém não se contenta em ficar contemplando tal “verdade” apenas para si mesmo. Pois a razão de ser dessa luz que existe fora da caverna é fortalecer quem a conhece e se autoconhece a partir dela, adquirindo assim força existencial e pedagógica para retornar à caverna para ajudar a libertar quem ainda continua preso nela enfrentando os tiranos do corpo e da alma."

Esta passagem do texto parece-nos bastante oportuna para ilustrar o momento atual, sobretudo, quando se levam em consideração os discursos de cunho inteiramente persuasivos, que, possivelmente, têm por finalidade última levar às pessoas ao temor, à insegurança e à dúvida.

Não se deve certamente tratar o ser humano a partir de um rigor matemático. Dizer que as pessoas são infectadas, segundo uma progressão geométrica, é de uma tamanha leviandade, falta de idoneidade e respeito para com o ser humano, que até chega nos colocar em dúvida acerca da autoridade de certos profissionais, sobretudo, quando se trata de quem se especializou e atua no âmbito da saúde.

É preciso entender, no entanto, que não há ciência acerca do ser humano em sentindo absoluto, ou seja, não há conhecimento, em definitivo, que explique a natureza última do ser humana em sua inteireza. Sabemos que há pessoas, mesmo que se encontrem entre doentes, que não se infectam. É sabido também que já se introduziram células cancerígenas em determinados indivíduos saudáveis, a fim de experimentos, sem que se obtivessem resultados positivos.

O ser humano é imprevisível em todos os campos do conhecimento, quer que seja no âmbito da saúde, no do mercado financeiro, no dos estudos sociológicos etc.

Sabemos que muitas pessoas que já foram desenganadas pelos médicos, com previsão de vinte a trinta dias de vida, viveram, no entanto, entre quinze, vinte anos ou até mais, após a funesta profecia.

Não há ninguém, até hoje, que tenha uma explicação absolutamente plausível para a queda vertiginosa ou a subida íngreme e constante da bolsa de valores em um determinado dia.

Do mesmo modo, também, verificamos que muitas pesquisas eleitorais são, muitas vezes, um verdadeiro fiasco em relação aos resultados apresentados nas urnas.

Tudo que envolva o ser humano é inteiramente imprevisível. Tentar fazer previsão e explicar, com rigor matemático, os casos relacionados aos seres humanos é naturalmente uma falta de honestidade sem precedentes. Ou seja, tentar associar as pesquisas científicas  frias, desenvolvidas no interior de laboratórios, de indivíduos particulares, fundadas em rigorosos métodos científicos, a verdades absolutas e, ao mesmo tempo, aplicá-las, de maneira generalizada, a totalidade do universo dos indivíduos é, certamente, um verdadeiro embuste “científico”, com o intuito naturalmente de conduzir o grande rebanho ao bel-prazer. E, nesse caso, não deixaria de ser um truque de má-fé, como explicita a citação do excerto acima descrito. “Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar (da caverna) e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos.”

Assim sendo, um cientista que vê o mundo a partir somente do ponto de vista de sua ciência é tão ignorante quanto aquela pessoa que não possui nenhum conhecimento científico.

Nesse sentido, o que importa mesmo é a amplitude de visão. Diríamos que as coisas se passam da seguinte maneira em relação a um homem que habita o topo de uma montanha em oposição a um outro que habita seu sopé. O primeiro enxerga ao longe, contemplando a infinitude do horizonte, ao passo que o último vê somente uma ínfima parte do horizonte, mas, mesmo assim, se supõe conhecer a totalidade de todas as coisas.

terça-feira, 31 de março de 2020

PLURALIDADE DE DISCURSOS E SEUS MATIZES



Syro Cabral de Oliveira


O Brasil está, infelizmente, passando por uma histeria sem precedentes nesses últimos dias. Isto porque o presidente da República está tomando decisões que contrariam os interesses internacionais, ou melhor, interesses do grande capital internacional. Nesse sentido, presenciamos uma fonte de discurso originária e de cunho absolutamente retórico, que tem por objetivo único de influenciar uma pluralidade de outros discursos, com as suas várias facetas e matizes, que se assemelha a uma grande circunferência, cujos raios apontam todos para o seu ponto central. Ou seja, tudo emana do centro e simultaneamente a ele retorna. Quer dizer: é o discurso dominante. O discurso que versa sobre a linguagem e os interesses do capital internacional dominante. 

Os veículos de comunicação, tais como rádios, televisões, mídias eletrônicas, jornais e revistas impressos etc., com seus respectivos profissionais propagadores de suas mensagens, atuam, nesse meio, como porta-vozes dessa fonte original, proliferam e disseminam essas ideias, com todo fôlego possível, conscientemente ou não, como se as mesmas fossem absolutamente verdadeiras e inquestionáveis. Esses profissionais se apresentam cheios de si, de razão incontestável e de conhecimento de causa, a serviço de interesses globais dominantes, sem que hesitem um segundo sequer de que fazem parte de um grande grupo de marionetes ou bonecos de fantoche.

Essa rede de discursos ou pluralidade de discursos tem um só objetivo: o de confundir a opinião pública. E isso se evidencia claramente no momento em que cada jornalista se apresenta como um verdadeiro expert em determinados assuntos ou em aconselhamento de como as pessoas devem se comportar face ao grande inimigo que ameaça uma população inteira no momento atual, ou seja, o temeroso e assustador corona vírus.

Mesmo diante de um todo ou de uma totalidade, cada profissional dos meios de comunicação tem um papel específico ou uma atribuição própria. Cada um deles deve tecer o seu discurso em si mesmo, como se não fosse parte de um todo, mas de modo que se apresente ao público como um todo. Para isso, seu discurso deve se apresentar cheio de coerência, de clareza lógica e consistência. Cada um desses profissionais é um especialista de plantão, que fala com desenvoltura e convicção, pelo menos aparentemente. No Jornal Nacional (TV Globo), o âncora William Bonner, por exemplo, fala com tanta ênfase e convicção de que está ao lado de toda a certeza e toda a verdade, que chega até engrossar as veias do pescoço.

Esses discursos devem de fato ser apresentados com todo vigor possível, pois trata-se de um momento crucial: tudo ou nada, ou seja, trata-se de um momento de vida ou de morte do grande capital global. Isto por que, em um mundo, cuja essência última é o capital, o importante é que sobreviva toda espécie de ser humano – sejam eles seres doentios, estropiados, desvairados, dementes, debiloides etc., isso pouco ou nada importa –, pois, independente do estado de saúde, de comportamento, caráter, etc., das pessoas, todas, enfim, são também consumidores. Portanto, é de suma necessidade que todas essas pessoas sejam salvas a qualquer custo, mesmo que haja um grande prejuízo financeiro momentaneamente, porque este capital financeiro será recuperado rapidamente logo após a cessação da crise viral. Perder 9 trilhões de dólares ou mais neste momento é algo insignificante perante uma grande redução de consumidores, que mantêm esta gigantesca estrutura já construída e direcionada pelo grande capital internacional.

O isolamento social total da população, proposto atualmente pela OMS, de um lado, aparentemente, gera um custo elevado, mas de um outro lado, é um ganho enorme para os países de economias fortes e estabilizadas, tais como os Estados Unidos da América do Norte, China e alguns países da Europa. Pois, tal isolamento fragilizará – com falência das empresas, desemprego em massa e desespero da sociedade como um todo, acarretando uma onda de suicídios desenfreada –, totalmente as economias dos países subdesenvolvidos, deixando-os inteiramente à mercê dessas economias desenvolvidas, logo após o término da crise viral. Portanto, a perda, que esses gigantes do mundo econômico terão agora, será infinitas vezes menor em relação aos ganhos certos e duradouros que terão no amanhã próximo.

É bem possível que esse emaranhado de discursos não tenha outro objetivo senão o de sufocar, em absoluto, todas as economias emergentes para que, no fim de tudo, os gigantes econômicos deem as ordens mundiais e reinem sozinhos acerca do globo terrestre.

Nesse momento em que esses gigantes do mundo econômico não se encontram sobre ameaças, pois possuem uma economia forte e totalmente estabilizada, podendo perder, momentaneamente, milhões ou trilhões de dólares, falam, hipocritamente, em humanidade, mas quando se sentem ameaçados, não medem esforços para lançar uma bomba atômica e destruir comunidades inteiras de uma só e única vez. Essa é a verdadeira arte de fazer com que o feio pareça belo diante de nossos olhos.
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Talvez, aos olhos de muitos, uma comunidade inteira sendo consumida por chamas não desperta o sentimento de humanidade.

É como dissessem para eles próprios: façamos nossos próprios sacrifícios, demos um pouco do nosso próprio sangue hoje, para que o recebamos amanhã em dobro e com total segurança. Nesse cenário, alguns economistas famosos falam em sobretaxar a grande fortuna, tal como diz Luigi Zingales, professor da Escola de Chicago, formadora de capitalistas liberais, em entrevista à BBC News Brasil por telefone: “Vejo uma provável necessidade de criar impostos sobre grandes fortunas, porque, durante guerras, seus meios de financiar um país são basicamente imprimindo dinheiro ou criando alguma maneira de taxar riquezas. Sou sempre contrário a esse tipo de solução em tempos comuns, mas, em situações extremas, essa pode ser a forma para resolver.”

Diante dessa postura do economista liberal, alguns defensores, ingênuos e fanáticos, do sistema socialista esfregam uma mão na outra e dizem, inteiramente contentes, “que os capitalistas estão se rendendo ao modelo socialista”. Não percebem sequer que, na realidade, o grande capital soube e sempre saberá se proteger diante de qualquer ameaça. Todo sacrifício hoje é muito válido, pois parte dos consumidores não pode sucumbir de um dia para o outro. É uma guerra que está sendo travada entre os poderosos em defesa de seus interesses comuns. A luta tem que ser gigantesca, pois não se pode deixar que a base da pirâmide se destrua. Nesse sentido, o próprio Luigi Zingales continua com a sua sagaz teoria: “Isso traria o benefício de salvar o país do desespero, um bem público geral. Mas quem ganha mais com isso são os ricos, porque não só salvam suas vidas como também preservam muito do valor de sua riqueza. Parece contraditório, mas é simples: imagine um país que perdeu um percentual grande de sua população, um monte de coisas simplesmente perdem o valor ali já que a demanda cai drasticamente. Então, em uma situação como essa, é preciso ao menos criar esse imposto sobre fortunas para poder ser mais agressivo em custear uma redistribuição de renda que permita o confinamento da população.”

Nesses momentos de crise, a hora é de união e muita união mesmo entre capitalistas e socialistas/comunistas para salvar vidas, porque o poderio de ambos se encontra sob ameaça. Diante de um perigo comum, as diferenças desaparecem. A luta, portanto, é o isolamento total da polução. A morte de milhares ou milhões de pessoas, nesse momento, representa uma ameaça assustadora ao mercado consumidor. Só em se imaginar que milhares ou milhões de frascos de remédios deixarão de ser vendidos (pois os que morrem são o que mais consumem remédios), smartphone, aparelho de tv, notebook etc., torna-se algo inconcebível. Por isso que circulam, nas redes sociais, mensagens desse tipo: “O mundo inteiro está chocado com o que Bolsonaro está fazendo. Vamos levar ele a responder pelo que está fazendo no Tribunal de Haia (Tribunal Internacional de Justiça) como genocida, por crime contra a humanidade!”.

O desespero dessas pessoas, que sonham em perpetuar no poder – seja poder político ou econômico –, chega aos extremos, a ponto de não mais medirem as consequências de suas próprias palavras. É o vale tudo. Pensam, nesses momentos cruciais, em jogar todos os seus únicos trunfos que lhes restam, pois, no caso de atingir, em cheio, o alvo pretendido, vão se sentir como se estivessem alcançados o verdadeiro nirvana.

Nesse sentido, podemos observar a agitação dos veículos de comunicação, governadores, prefeitos e outros que, visivelmente, pretendem a alcançar o poder, dedicando o seu tempo todo, praticamente vinte quatro horas por dia, para convencer à população da importância do isolamento social e do confinamento em suas casas.

Esta é a mensagem. Siga-a quem se diz ter juízo!!