terça-feira, 28 de novembro de 2023

DAS ILUSÕES E DESILUSÕES E O PESSIMISMO COMO PARÂMETRO

                                                                                                                                                                                                                                                                                                       Syro Cabral de Oliveira

                                                                “Era uma vez uma corrida… de sapinhos!

                                                               O objetivo era atingir o alto de uma grande torre.

                                                               Havia no local uma multidão assistindo.

                                                               Muita gente para vibrar e torcer por eles.

                                                               Começou a competição. Mas como a multidão não acreditava que os sapinhos

                                                               Pudessem alcançar o alto daquela torre, o que mais se ouvia era:

 

                                                               “…Que pena!! – Esses sapinhos não vão conseguir. Não vão conseguir.”

 

                                                               E os sapinhos começaram a desistir. Mas havia um que persistia e continuava a

                                                               subida, em busca do topo.

 

                                                        “…Que pena!!! – Vocês não vão conseguir!” E os sapinhos estavam mesmo                                                                                desistindo um por um – menos aquele sapinho que continuava tranquilo… embora

                                                            cada vez mais arfante.

 

                                                               Já ao final da competição, todos desistiram – menos ele.

                                                               A curiosidade tomou conta de todos.

                                                               Queriam saber o que tinha acontecido…

                                                               E assim, quando foram perguntar ao sapinho como ele havia conseguido concluir

                                                               a prova, aí sim conseguiram descobrir…

 

                                                               Ele era surdo!…”

 

                        Na tarde do dia 09 de agosto de 2001, numa sexta-feira, um grupo de professores de Filosofia da Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro reuniu-se para tratar de assuntos inerentes a sua área de atuação. O tema a ser tratado especificamente deveria girar em torno de uma proposta de inserção da disciplina Filosofia nos três anos de Ensino Médio naquela Instituição e um programa a ser naturalmente seguido. Embora a intenção, em princípio, fosse a de redigir um documento ou, pelo menos, alinhavar os principais pontos acerca da referida proposta, na realidade, nada disso ocorreu. Infelizmente, mais de 80% do tempo destinado à reunião foram consumidos em torno de discussões fúteis e vazias, ou melhor, discussões em vão, que nada acrescentaram, quando, na verdade, a proposta, em tese, não era esta, ou seja, a de se discutir acerca de dificuldades ou empecilho em relação à implantação de uma nova proposta e sim a de elaborar um documento significativo para ser submetido àquela Instituição. Na hipótese, porventura, de uma resposta negativa acerca de tais sugestões, aí sim, o grupo teria que se municiar para derrubar os argumentos contrários.

                        Essa reunião, no entanto, ao que nos parece, foi bastante frutífera, pois deu para se corroborar a nossa velha tese de que o pessimismo tem sobrepujado as grandes ideias, por melhores que sejam, por imposição evidentemente de um conceito, já universalmente aceito, da destruição de todos os valores autoafirmativos, por meio de uma crítica demolidora que se dá por intermédio da crítica pela crítica. Dessa forma, por meio de uma mão invisível, as pessoas são impingidas, de maneira inconsciente, a fazer, cada vez mais, fortificarem as ideias dos propalados partidos do chamado modernismo e de suas artes de fancarias denominadas de futurismo, dadaísmo, cubismo. Esses partidários têm por missão a tarefa de fortalecer e atrair adeptos para a doutrina do pessimismo. Com isso, o investimento na individualidade é sempre rechaçado, literalmente, com todas as forças que esses doutrinadores possuem. A razão disso é clara. É que os negativistas se juntam, com grande facilidade, como um rebanho domesticado.

                        É sabido que os grandes espíritos trabalham, na maioria das vezes, em silêncio e isoladamente, em consequência, evidentemente, de sua grande virtuosidade. E, em contrapartida, os medíocres são, por natureza, animais gregários, que se juntam como uma chusma de cavalos selvagens diante de um perigo em iminência. Mas, uma vez cessado o perigo, se isolam, como uma abelha em seu casulo.

                        As inteligências, que pairam acima de tudo e de todas as coisas, procuram reforçar, veementemente, esses sentimentos de agregação, com todas as palavras de ordem, tão propaladas entre os incautos: democracia, socialismo, comunismo, parlamentarismo e coisas do gênero. E vão ainda mais longe: criam ciências e falam em nome delas, como se as fossem a última palavra em relação à essência de todas as coisas. Para que não haja nenhum obstáculo em seus projetos, em nome dessas ciências, domesticam as pessoas e reforçam a cultura da irresolução e da obtusidade. Quanto maior for o grau de irresolução e de obtusidade do indivíduo, maior será a sua chance de assumir cargos de chefia nas grandes repartições, quer sejam elas públicas, quer sejam iniciativas privadas. Assim, os cargos de confiança, ou qualquer função ligada a postos de comando das Instituições, são sempre confiados a indivíduos que possuam essas características. A indecisão, a submissão, a docilidade etc. são os elementos paradigmáticos à manutenção do sistema em jogo, pois, as suas limitações contribuem, e muito, para a continuação e fortalecimento do modelo estabelecido, sem risco algum de perturbação da ordem em vigor.

                        Nesse sentido, as ideias que sustentam que o mundo é governado por um fragmento de inteligência, a cada dia, mais se consolidam. Aquilo que sempre pensamos, isoladamente, tem se confirmado, com muita evidência, quando nos reunimos, com determinadas pessoas, para discutir assuntos que teriam por objetivo alterar a ordem vigente. Temos constatado que tanto em grupos oficiais, tais como os partidos políticos legalizados, quer os chamados de esquerda, quer os de direita etc., como os não-oficiais, os sintomas têm sido sempre os mesmos, isto é, apresentam-se os mesmos sentimentos. Sentimentos esses que são sempre manifestos em forma de pessimismo. Discutem o tempo todo acerca de dificuldades de implantar uma nova ideia, mas nunca procuram elaborá-la.

                        É fato que deveríamos ter sempre em mente, que antes de discutirmos acerca das dificuldades que possamos deparar pela frente, em relação a um determinado projeto, teríamos que, de antemão, elaborar a nova ideia, que teria naturalmente por prerrogativa sobrepujar ou suplantar a ideia ou conceito vigente, e, além disso, procurarmos buscar para ela o maior número de simpatizantes possível. Entretanto, isso nunca ocorre. E isso não ocorre não é por acaso, mas sim, em virtude do modelo imposto pelos grupos, ocultamente, dominantes.

                        Infelizmente, as coisas se dão assim mesmo. Os trabalhos sérios já nascem póstumos, pois, só as gerações do futuro os compreendem claramente.

                        Pensamos que é de extrema necessidade prepararmos, desde cedo, as bases sólidas da formação de um povo, para que, desse modo, possamos erguer um grande edifício duradouro, porque, são nessas bases que reside a formação do homem, sobretudo, quando nos referimos a formação do caráter, entendendo este último termo em seu sentido original, isto é, como a maneira de ser própria do homem, o seu lugar, a sua permanência, em outras palavras: o ethos.

                        A experiência narrada por um professor, tida em sala de aula, tornou-se muito   esclarecedora e, ao mesmo tempo, também desoladora. Numa certa ocasião, segundo ele, uma aluna – resistindo a todo custo a entregar-se ao processo de conhecimento – questionou o seu método de trabalho, e, insatisfeita por não ter tido seus caprichos atendidos, disse-lhe que iria à direção da escola reivindicar os seus direitos. Diante de tal atitude, tal professor calou-se e começou então a se questionar: “Será que isso é o resultado da escola, tão propalada, a todos os cantos, como modelo de escola democrática, a qual só enfatiza direitos, direitos e deveres nada? Como a referida aluna reivindicará os seus direitos, sem que, antes, ela tenha cumprido com os seus deveres? Por acaso, ela se esforçou em cumprir com todas as tarefas propostas em sala de aula?, e outras?”

                        Tal professor questionou-se muito. Depois de analisar a questão por meio de vários aspectos, concluiu que não poderia aprovar o modelo de educação, cujos princípios estão assentados numa base negativista, que tem por objetivo somente tecer críticas demolidoras sobre todos os valores construídos ao longo de várias gerações.

                        Se analisarmos a questão por outro ângulo, concluiremos que “o espírito humano não consegue galgar alturas sem passar por degraus; para cada passo ascendente, necessita ele do fundamento do passado, naquele sentido lato só na cultura geral pode transparecer. Apenas uma pequena parte do pensamento universal repousa sobre o conhecimento próprio; a maior parte é devido às experiências de épocas precedentes. O nível geral de cultura mune o indivíduo sem que disso ele se perceba, de uma tal riqueza de conhecimentos preliminares, que, assim preparado, ele mais facilmente, seguirá o seu caminho.”

                        O povo que não possui uma cultura própria e nem se esforça para possuí-la, as bases do seu trabalho espiritual sempre serão ditadas por outros povos. Seu intelecto desenvolver-se-á sempre por influências do mundo civilizado que o cerca. Um povo, para se desenvolver ao máximo, necessita de uma organização que se repouse “sobre o princípio de sacrifício que cada indivíduo faz de sua opinião e de seus interesses pessoais em proveito de uma pluralidade de criaturas”, ao estilo da concepção da polis grega. A cidade ou Estado, dentro da concepção grega, não tem autoridade sobre o povo – o seu território exerce um papel insignificante –, pois, o Estado é um contingente e o povo é o seu conteúdo. O que vale, portanto, é a concepção de, digamos, brasileiros ou, como dizia Helena de Teodectes: “Eu sou grega” –, ela que descendia tanto do lado paterno, como do lado materno de deuses. Assim, ser brasileiro seria, necessariamente, pensar em nome de uma existência cultural, a que cada cidadão deveria zelar e defendê-la até as últimas consequências. Porém, essa concepção teria que ser inoculada na mente de cada indivíduo, desde seu nascimento.

                        E, é isso que poderíamos chamar de abnegação, ou seja, quando “a coroação de todo espírito reside no sacrifício da própria vida individual, em prol da existência coletiva.” Daí o termo “cumprimento do dever” significar não se contentar o indivíduo somente consigo, mas em procurar servir à coletividade.

                        A cultura da mediocridade e da submissão, nos dias de hoje, por imposição de interesses maiores, tem ocupado um lugar de grande destaque no seio dos povos subdesenvolvidos, tanto no que se refere às criações espirituais, como no campo material. E é, por conta disso, que vimos, de maneira sistemática, examinando essa questão a fundo. Ao lermos, por exemplo, uma das obras do tão enaltecido educador e pedagogo Paulo Freire – Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa –, sentimo-nos muito constrangidos diante da insistente apologia que ele faz da humildade.

                        Pensamos, no entanto, que uma pessoa que pretenda realizar um trabalho crítico e consciente, não ficaria bem nela, em hipótese alguma, fazer a apologia da humildade, visto que, como já dizia Homero, poeta grego, que viveu por volta do século X a.C., que a humildade não ficaria bem em um sábio. E de fato não fica bem mesmo. Isto porque, a palavra grega tapeinós – a qual se traduz para a língua portuguesa por humilde – quer dizer baixo, pouco elevado, mesquinho, pequenez, ou melhor, pequenez de espírito. Vê-se que, em sua origem, esse termo é usado em sentido negativo e, no entanto, o usamos atualmente positivamente. Mas, por que razão? Simplesmente, porque Tomás de Aquino deu-lhe um significado adverso daquele em que os gregos o empregavam. Aquino apropriou-se do termo aristotélico megalopsiquia (magnânimo em latim), isto é, grande de espírito, e atribuiu-lhe à palavra humilde. Nesse sentido, para Tomás de Aquino, grande é aquele que ao apanhar em uma das faces do rosto oferece a outra. Quer dizer: a grandeza de suportar o sofrimento, que somente os pequenos de espírito estão sujeitos em sua totalidade. Em outras palavras, este comportamento não é nada mais, nada menos que a moral dos escravos, como acentua Nietzsche, em uma de suas obras.

                        Ora, não há nada mais pequeno do que a sujeição, a submissão. E daí, nos perguntamos: como podemos compactuar com as ideias de FREIRE, em sua totalidade, já que a substancialidade de seu discurso é amparada nessas qualidades referidas acima e, portanto, um tanto incoerente com sua proposta, a qual consiste em denunciar a dicotomia dominante/dominado.

                        Voltando, então, ao assunto da referida reunião… Quando nela citamos a Europa, como exemplo de países que adotam, em suas grades curriculares, o ensino da disciplina Filosofia como obrigatório, desde o equivalente ao Ensino Fundamental nosso – e por conta disso gerou um mal-estar entre os participantes da reunião –, não tivemos, é claro, a menor intenção de copiá-los, até porque, a Filosofia não é, em hipótese alguma, uma prerrogativa daqueles países europeus, tais como, a Alemanha e a França. A Filosofia nasceu na Grécia Antiga e, portanto, ela é originariamente grega. O que quisemos dizer é que a Europa sabe muito bem o que é bom para o ser humano, e, se os europeus estão desenvolvidos como tal, não é por acaso, mas justamente graças a esse tipo de pensamento que tanto eles defendem. Os europeus não fazem somente uso dessa maneira de pensar, que nasceu na Grécia Antiga, como também procuram acolher ideias de outros povos, tais como as dos brasileiros, quando julgam necessárias. Sabemos que os alemães citam autores brasileiros, que muitas vezes, são absolutamente desconhecidos entre nós. Mas, se pensarmos a Filosofia como algo que traz em si mesma uma certa identidade como, por exemplo, um produto químico, que ao entrar em contato com outras substâncias as contamina, ou, uma doutrina, que tem por objetivo fazer seus seguidores enxergarem o mundo a partir de seu ponto de vista, evidentemente, que estaríamos de pleno acordo de não os imitar. E é justamente em razão disso que estamos convencidos de que o que nos permite vermos todas as cores é exatamente a natureza incolor dos nossos nervos ópticos, pois se eles possuíssem uma certa coloração, por exemplo, a cor avermelhada, com certeza, veríamos o mundo inteiramente vermelho.

                        E nesse aspecto, não poderíamos também deixar de abordar um outro ponto. Referimo-nos aqui à Filosofia propriamente dita e o tratamento que a ela se dispensa. Costuma-se polemizar em torno dela, na tentativa de qualificá-la como um saber desinteressado. Ora, é preciso, no entanto, que entendamos o que queremos dizer com o termo desinteressado. Desinteressado, em alemão, se diz “selbstlos”, o que, ao pé da letra, significa “sem si mesmo”, isto é, para Nietzsche, sem um eu, sem um ser próprio.

                        Nesse sentido, gostaríamos de acrescentar que as coisas devem ser entendidas de acordo com a sua verdadeira natureza. Dizer que a Filosofia é desinteressada, no sentido em que foi explanado o termo selbstlos, mencionado acima, seria, no mínimo um contrassenso, pois, toda filosofia é própria do ser humano e, portanto, um filósofo não “faz” filosofia desencarnado, sem o seu eu. Nessa acepção, a Filosofia é interessada. Mas, por outro lado, devemos entender que quando afirmamos que a Filosofia é desinteressada, queremos com isso dizer que ela repousa sobre um idealismo, cujo princípio contrapõe qualquer forma de egoísmo, e visa, acima de tudo, aos interesses humanos no seu sentido mais rigoroso possível. Assim sendo, a Filosofia transcende o que de há de mais mesquinho, mais pequenino e demasiadamente humano, para buscar e defender o que há de mais magno – em sentido rigoroso –, nobilitante e aristocrático, entendendo esta última palavra em conformidade com o seu étimo, como significando bom, excelente, e daí a alma distinta e nobre, no sentido de alma superior. “Por esta razão, os nobres são chamados de ‘poderosos’, ‘capitães’, ou segundo os sinais mais visíveis desta superioridade, por exemplo, os ‘ricos’, os ‘proprietários’ etc.” – NIETZSCHE. Genealogia da moral.

                        Assim compreendido, mais uma vez fica claro que a Filosofia, em sua essência, visa ao que há de mais excelso da espécie humana, ou seja, tudo aquilo que sobrepuja toda forma de pensar que tenha por finalidade privilegiar o que há de mais baixo na natureza humana.

                        Portanto, de acordo com o exposto acima, não há, absolutamente, nada em contradição com o pensamento de Nietzsche.

                        Além disso, podemos concluir que um povo que, por natureza, possua o germe da grandeza, do que há mais elevado no mundo, no que se refere aos feitos humanos, jamais medirá esforços para atingir seu objetivo. E é, justamente, por esta razão que estamos, absolutamente, convencidos de que, se há povos desenvolvidos e subdesenvolvidos sobre a face da Terra, não é por conta da dicotomia dominante/dominado, mas, porque os subdesenvolvidos são compostos de elementos carentes, geneticamente, de uma espécie de chama que os impulsione aos grandes feitos humanos e do glorioso desejo de vitória.

                        Daí, vermos que fica claro, também, para nós, que o pessimismo e o negativismo não são senão uma forma desoladora de justificar o fracasso hereditário de determinadas pessoas ou, até mesmo, de povos inteiros, pois é muito fácil apontar dificuldades em tudo – porque as dificuldades se dão sobre algo existente na atualidade – do que apresentar novas ideias ou uma nova concepção de mundo. Eis a razão da proliferação, em grande escala, atualmente, dos chamados filósofos da linguagem, pois não necessitam adentrar mares para a conquista de um novo mundo, mas apenas analisar um mundo já existente e pronto.

                        Afinal de contas, o que será do mundo quando o último desses homens inventivos se extinguir? Somente com a redução deles, estamos presenciando um caminhar para uma dominação global… Não devemos perder de vista que já há muito esforços desprendidos para sufocar os homens de espírito elevado, porque, por natureza são indóceis e, consequentemente, incomodam os que apostam na manutenção do atual estado de coisas.

sábado, 9 de abril de 2022

 

UM PROBLEMA DE ORDEM CONCEITUAL E SUAS IMPLICAÇÕES

Syro Cabral de Oliveira

 

                        Em primeiro de julho do ano 2002, um grupo de professores de Filosofia reuniu-se com uma professora supervisora de uma determinada escola técnica do Estado do Rio de Janeiro, a seu pedido.

                        O assunto que os moveu à reunião foi a controvérsia em torno de prova única aplicada aos alunos daquela escola. Segundo a referida professora supervisora, tal prova não deveria ter caráter avaliativo de conteúdo, mas sim o de avaliar habilidades e competências.

                        Enquanto, de um lado, a professora supervisora defendia a manutenção da referida prova, de um outro lado, os professores de Filosofia questionavam não o problema de sua manutenção ou não, mas a forma pela qual ela seria elaborada e seu aspecto avaliativo. Se de um lado, os professores permaneciam a sustentar a ideia de que não estavam contra a prova única propriamente dita, mas a forma pela qual ela seria elaborada, a supervisora tentava rebatê-los com argumentos de que estavam desinformados.

                        Nesse momento, desapareceu, obviamente, o objeto de acordo comum e, concomitantemente, a argumentação, pois, é fato que só há argumento se e somente se houver objeto de acordo comum. Na ausência de tal objeto, a argumentação cessa necessariamente e juntamente o feedback1.

                        Foi, então, nesse interregno da discussão que tais professores perceberam a verdadeira natureza do problema da professora supervisora.

                        Infelizmente, a professora incorria em dois erros conceituais. O primeiro estava ligado ao conceito de interdisciplinaridade, o qual, dizia a supervisora o ter adquirido com a leitura de um texto em que o autor o ilustrava com o mencionado conceito, recorrendo à orquestra sinfônica. No referido texto, segundo a professora, o autor afirmava que a interdisciplinaridade ocorre no momento em que os músicos seguem a marcação de tempos executada com a batuta, pelo regente.

                        Até aí não haveria nenhuma dificuldade, em princípio. A dificuldade começou, no entanto, no momento em que a professora fez uma analogia entre o conceito de interdisciplinaridade, utilizado na orquestra sinfônica e o conceito do mesmo termo, utilizado nas escolas de formação geral. É claro que o conceito de interdisciplinaridade no primeiro caso está relacionado à obediência, à ordem de funcionamento etc., que vai resultar na harmonia. Cada músico executa seu instrumento de acordo com a marcação do maestro. Não há interligação entre um músico e outro. O que importa são os sinais, ou movimentos, observados pelos músicos, executados pelo regente. Já no segundo caso, ou seja, nas escolas de formação geral, a interdisciplinaridade está diretamente relacionada ao conjunto das disciplinas, ou matérias, lecionadas. Neste caso, a interdisciplinaridade está ligada à capacidade de o professor fazer o aluno perceber que naturalmente é possível fazer uma leitura de cunho filosófico, histórico, geográfico de um único texto. Na verdade, é a visão de que o conhecimento é uma totalidade. Sua fragmentação é, simplesmente, um recurso didático para facilitar o processo de ensino-aprendizagem.

                        Devido às nossas necessidades atuais, procura-se privilegiar a interdisciplinaridade para superar a ideia que passou a predominar, a partir da Idade Moderna, da formação dos especialistas, isto é, cada profissional não tem necessidade de ser versado em diferentes habilidades. Pelo contrário, o que se exige dele é a qualificação isolada, aos extremos, em uma determinada atividade. E essa prática atinge seu auge, de maneira extraordinária, em meados do século XX, com o chamado período fordista.

                        Neste caso, o que está em jogo é a ideia de divisão de mão de obra. Cada indivíduo executa, isoladamente, uma determinada atividade, dando a perfeição ao produto final, sem a necessidade de uma qualificação que permita uma visão geral de todas as atividades isoladas.

                        Em um segundo momento, a professora sustentava que a saída para dar uma formação diversificada aos alunos seria a aplicação de uma prova única, que visasse não o conhecimento de conteúdo, mas as habilidades e competências. Ocorre, entretanto, nesse momento, que a professora incorria em outro erro, pois demonstrou não discernir, com clareza, o conceito de especialidade.

                        Ora, como ficou exposto acima, a especialidade é a capacidade que o indivíduo tem de exercer uma determinada atividade, de maneira isolada, sem depender de outros conhecimentos que não sejam específicos àquela atividade. É o caso, por exemplo, do músico de uma orquestra sinfônica, ou melhor ainda, dos metalúrgicos, em uma fábrica de automóvel, onde cada metalúrgico é um especialista, aos extremos, em uma determinada atividade, a ponto de não ter a menor noção do produto final que, no caso específico aqui, é o automóvel. Este torna-se, à vista de cada especialista, um fetiche. Nesse caso, o especialista não se reconhece na sua própria obra, a qual torna-se-lhe estranha. É o trabalhador alienado, em seu sentido rigoroso. E é isso que um bom educador deve combater, com todas as suas forças que as possa utilizar.

                        Pois bem. Vejamos, rapidamente, como surgiu a ideia da formação de especialista.

                        Da Grécia Antiga, até a Idade Média, a Filosofia designava a totalidade do conhecimento racional. A partir da Idade Moderna, “o vasto campo filosófico entrou num processo de redução”. A realidade a ser conhecida passou a ser dividida, recortada, despertando estudo especializado. Era a separação entre ciência e Filosofia.

                        Com o processo de especialização do mundo científico, cada ciência passou a investigar campos determinados da realidade e o faz “ainda hoje de forma cada vez mais localizada.” Hoje, vivemos uma era de especialistas, que se fecham em determinados domínios do saber e, com isso, perderam “a visão mais ampla do conhecimento humano.” Sabem muito sobre pouco e nada sobre a amplitude do conhecimento. O conhecimento tornou-se fragmentos da totalidade do universo do ser. “Nesse contexto, a Filosofia passou a ter o papel, entre outros, de recuperar a unidade do saber, de questionar a validade dos métodos e critérios adotados pelas ciências. Isto é, passou a desenvolver o trabalho de reflexão sobre os conhecimentos alcançados por todas as ciências, além da procura de respostas à finalidade, ao sentido e ao valor da vida e do mundo.”

                        No que foi exposto acima, a maior dificuldade, infelizmente, reside no que segue. É que a maioria de nossos professores é especialista e, como tal, não vê o mundo senão por meio desse ponto de vista, ou seja, da especialidade, à maneira dos freudianos e marxistas. Para os primeiros, todo indivíduo sofre de uma espécie de neurose, ao passo que, os últimos não veem outra coisa, nas sociedades, senão luta de classes. A prova dessa visão limitada, ou melhor, desse reducionismo, é que nossos alunos, e por que não alguns professores, também, passam o tempo todo questionando a importância das disciplinas, tais como, Filosofia, História, e outras afins, e nunca questionam acerca da real importância de matérias como Matemática, Física, Química etc. O que eles não percebem é que a maioria das pessoas vive na prática, no seu dia a dia, sem os conhecimentos dessas últimas disciplinas e, pelo contrário, não consegue viver sem os conceitos filosóficos, tais como, o de política, ética, justiça, direito, dever, liberdade, relação causa-efeito, ideia de grandeza, espaço etc. Tem esses conceitos não como descobertos ou elaborados, mas como coisas dadas. Vive, no seu dia a dia, com esses conceitos, inconscientemente, e não percebe sequer que, na verdade, são obra da criação humana e, portanto, não existem, em si mesmos, na realidade externa e sim somente em nossas mentes, como entes intramentais. Não percebe, também, que não cabe ao matemático, ao religioso, ao físico, ao especialista, em qualquer que seja sua área de atuação, perguntarem, respectivamente, pela natureza do número, da religião, do movimento, da especialidade, porque, estas questões são, naturalmente, de ordem filosófica e, como tal, são de exclusividade dos filósofos2. Não percebem, ainda, que é de exclusiva competência de os filósofos armarem sistemas tão claros como os diamantes sem jaça, que os leigos os seguem, com uma fé apodíctica, como fossem obras divinas. E, além disso, que os fundamentos de todas as ciências se acham na Filosofia. E daí, com toda justeza, ser denominada de rainha. E, por último, não conseguem perceber, também, que ao matemático cabe apenas admitir a existência a priori dos números e operar com eles. A pergunta se os números existem em si mesmos ou não, se são entes ontológicos ou entes de razão, é exclusivamente da competência dos filósofos. Portanto, os cientistas operam com um mundo já dado, de antemão, e uma grande parte deles não percebe sequer que foram os filósofos que lhe deram sentido.

                        Sem esses conceitos explicitados pelos filósofos, não poderíamos, talvez, sequer caminhar, com tanta desenvoltura e com toda segurança de que o sol é uma estrela de quinta grandeza, em uma manhã ensolarada, pelas ruas das cidades…

1(…) No relacionamento entre pessoas, ‘damos’ feedback a alguém quando oferecemos ao outro oportunidade para explorar alternativas sobre o que percebemos a respeito delas, e ‘recebemos’ feedback ao percebermos como o outro reage a nós. Neste sentido, feedback nos permite ver, como num, em um enfoque crítico, a adequação ou a inadequação de nossas ideias, sentimentos ou ações – Dicionário de Comunicação, Ed. Codecri.

2. Designamos de filósofo não necessariamente quem passou por uma academia – isto porque as nossas atuais academias são verdadeiros leitos de Procusto, cuja função não é outra senão a de propriamente castrar o verdadeiro filosofar mais do que fomentá-lo –, mas aquele que possui uma predisposição natural para tal.

sábado, 26 de junho de 2021

 

CONFLITO DE VALORESi

Syro Cabral de Oliveira

Uma andorinha só não faz, verão!


                                                                            A andorinha e os outros pássaros

Uma andorinha, tendo visto um lavrador semear visco no campo, mandou reunir todos os pássaros e disse-lhes que o visco servia para fazer redes de passarinheiros e armadilhas. A andorinha pediu-lhes insistentemente que a ajudassem a apanhar as sementes e a destruí-las. Embora ouvissem o que ela lhes disse, os outros pássaros não fizeram nada e, assim, com o tempo, o visco rebentou, ganhando raízes no solo. Mais uma vez, a andorinha avisou-os, dizendo-lhes que ainda não era tarde para evitarem as complicações se atuassem imediatamente. Mas os pássaros continuaram a ignorá-la e a andorinha deixou os bosques e foi viver na cidade. O visco cresceu alto e forte e foi colhido. Mais tarde, a andorinha viu alguns dos pássaros que tinham sido apanhados recentemente nas redes feitas com o visco contra o qual ela os avisara. Agora, eles tinham aprendido a lição, mas era demasiado tarde.

Os homens sábios sabem prever os efeitos de certas causas, mas os loucos nunca acreditarão neles, até ser demasiado tarde para impedir o desastre. Demoram-se e arriscam-se.

ESOPO

        Para os pais, a Escola está cumprindo com o seu papel satisfatoriamente, mas na realidade isso não vem ocorrendo em sua plenitude. Desse modo, quando algum professor procura seguir à risca os procedimentos inerentes a uma boa educação (formação da conduta humana), esses procedimentos, num olhar precipitado, parecem ser um desvio da normalidade. A razão disso está justamente no confronto de ideias que se dá entre o consueto e a aplicação da arte, entendida essa como capacidade intelectual que faculta a mais alta distinção entre o falso e o verdadeiro. Esta arte, quando posta em ação de modo absoluto, se apresenta como uma transgressão ao habitual. Como o habitual não é nada mais nada menos do que a repetição, com uma certa frequência, de um determinado evento, à primeira vista parece ser o correto – e é assim mesmo que as pessoas costumam pensar: tudo que se repete, obedecendo a uma certa sequência mais ou menos constante, é o correto –, os pais, em face disso, entram obviamente em choque quando veem esta “normalidade” quebrada, já que aquela confiança cega, que eles sempre depositaram nos seus filhos – é colocada em xeque. Esta frustração não é de fato à-toa, porque, a interiorização de nossos valores, na verdade, é fruto da repetição de uma gama de modelos preestabelecida por uma superestrutura social que dita o que ela determina ser o “correto”. Desse modo, a coisa se complica ainda mais quando se tenta aplicar estes atos repetitivos genericamente de maneira irrefletida. Quando se tem, por exemplo, uma verdade particular e se queira aplicá-la ao universal.

Ora, vejamos, pois. Em virtude da frequência com que se dê um evento, as pessoas ingênuas tendem a tomá-lo como uma lei. Ora, a verdadeira essência da lei não está nem sempre na repetição de um fato, mas na própria natureza deste. Como o modo de pensar do chamado homem moderno (para não fazer uso de um termo muito em voga e pomposo: globalizado) está inteiramente influenciado pelo atual modelo científico, isto é, pela démarche indutiva, que se funda justamente na frequência com que se dê um evento – o que não é errôneo para casos particulares –, as pessoas comuns seguem esse modelo como se fosse uma verdade absoluta. O erro não está, muitas vezes, na repetição de um evento, quando esta é considerada dentro de uma determinada especificidade, mas na aplicação da conclusão de que a lei é sempre fruto da frequência de uma repetição, isto é, quando se toma esta repetição particular como uma regra geral e se a aplica ao universal. Ora, se isso fosse verdadeiro, o fato, por exemplo, de alguém jogar uma moeda para o alto cinquenta vezes e todas as vezes que a moeda tocar o chão ter a coroa voltada para cima, poderíamos concluir, a partir daí, com toda justeza que a próxima vez que a moeda for lançada ao ar cairá necessariamente no chão com a coroa voltada para cima. No entanto, todos sabemos que a coisa não se passa precisamente assim, porque, por mais que haja a repetição, a chance de cair cara ou coroa voltada para cima continuará sendo de cinquenta por cento no próximo lançamento da moeda para o ar. A menos que se trate de uma moeda viciada.

Diante da inadequação, isto é, de tomar o acaso pelo necessário, as pessoas se sentem frustradas e, de imediato, concluem que é a realidade que está errada e não a sua interpretação dos fatos influenciada por um método de natureza indutiva, que está inteiramente inapropriado para se fazer dele um uso de caráter absoluto. Consequentemente podemos, logo, concluir, com toda propriedade, que formar estrutura é fácil, o difícil é quebrá-la. E é assim mesmo que nascem os paradigmas.

        Daí, no caso específico aqui, o grande conflito. Entre um professor e uma Instituição dificilmente alguém hesitaria em ficar com a segunda. Porque, na ordem dos sentidos, imagina irrefletidamente que o maior sempre sobrepuja o menor. Nunca pensa que isso é absolutamente verdadeiro no âmbito do quantitativo e não no do qualitativo. Sabemos que, na esfera dos valores morais positivos, estes têm sido, ao longo dos tempos, objeto de fracasso. A imoralidade tem sempre triunfado de maneira colossal, como já dizia o nosso grande e saudoso Rui Barbosa, “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

        Desse modo, a Escola continua fingindo que está cumprindo com o seu papel satisfatoriamente, pois, todos os professores que insistirem nessa direção, isto é, a de optar pela efetivação de ações que tenham por objetivo a formação do caráter nobre no jovem, pagarão obviamente um preço alto. Para que esse preço não se efetive, cada professor, de modo individual, deverá abdicar de seus projetos pessoais em prol de um pseudo-universal. E assim, a cultura do fracasso, a cada dia que passa, vai se intumescendo assustadoramente. Nesse sentido, a irresponsabilidade vai grassando e universalizando-se em todos os níveis da sociedade. Vejamos como a cultura irrefletida vem se oficializando.

        Numa determinada escola pública ocorreu um episódio bastante engraçado, com um professor, para não dizer muito ignóbil e asqueroso. Esse professor marcou uma avaliação para a primeira semana após o período de recesso, o que pareceu muito extravagante e fora de propósito à vista de alguns de seus colegas de profissão. Não sabiam estes que a sua formação não o permitia compreender, com clareza, a linha divisória entre o que está ligado a um caráter nobre e um caráter baixo. Isto porque, no seu modo de entender as coisas, há na verdade dois mundos que não se misturam. Um de seres absolutamente autogovernáveis, isto é, de seres realmente humanos, e um outro que na realidade não passa de um fosso, onde vivem seres que de humano só têm a aparência. Não sabemos, nesse caso, distingui-los, com clareza, se de fato são seres humanos ou autênticos animais irracionais, que se deixam guiar apenas pelos instintos, os mais abomináveis possíveis. Pois o processo de educação não é outra coisa senão análogo ao cultivo de uma planta. Seu desenvolvimento é diretamente proporcional à seleção cuidadosa da semente, à escolha do local onde ela deve ser colocada para germinar, ao acompanhamento de sua germinação etc. Em consequência disso, dá-se para perceber que o desempenho de suas características essenciais depende diretamente dos cuidados minuciosamente despendidos ao longo de sua formação, compreendendo esta como o coroamento de todos os valores intrínsecos à sua própria especificidade. Nesse sentido, para esse professor, nossas responsabilidades começam no momento em que assumimos determinados compromissos, sobretudo, quando envolvem outras pessoas diretamente. Assim, ele não conseguia graduar as nossas responsabilidades. No seu modo de pensar, elas são iguais tanto no início de uma determinada jornada de trabalho como no seu fim. Quer dizer: ele sempre se deixou guiar pelo princípio da coerência moral. O fato de um profissional chegar atrasado 30 minutos no primeiro dia de trabalho, em relação à hora predeterminada de entrada em seu setor, 40 minutos no segundo, 50 minutos no terceiro, 60 minutos no quarto dia não lhe dá o direito de chegar 70 minutos no próximo dia. E, além disso, no seu ponto de vista, jamais poderemos esperar que esse funcionário chegue ao próximo dia atrasado em relação ao seu horário predeterminado. Se o seu horário de entrada for às 8h da manhã, por exemplo, deveremos esperá-lo sempre que chegue às 8h da manhã. Não é o hábito do vício que deve tornar-se uma regra, mas o contrário, é o hábito do bom comportamento que deve ser estimulado, para que se torne uma frequência em nossas vidas.

        Se os professores não derem o bom exemplo, cumprindo com seus deveres e fazendo com que os seus alunos, por seu turno, cumpram também os seus, nunca poderemos esperar que o país venha a produzir estadistas de grande excelência como outrora, pois, não é, ao que parece, mais verossímil que desses últimos saiam os professores, como soem pensar, mas o contrário parece ser mais convincente. Assim, quando assistimos a alguns profissionais da educação reclamar dos atuais políticos, atribuindo-lhes todas as responsabilidades acerca dos erros e das mazelas por que passa o país, vemos que eles não percebem que de fato trata-se da cultura, já arraigada nesse povo, de que a responsabilidade por todos os problemas de ordem social é sempre do outro e nunca veem com clareza que são eles próprios também a fonte da degradação moral. Não percebem também que o papel da imprensa e dos governantes é justamente o de reproduzir valores já existentes na sociedade. Logo, se nós, profissionais da educação, não fizermos uma cuidadosa reflexão em torno dessa pseudocultura e não procurarmos dar o basta nela, rogando pelo princípio de autoridade – princípio este fundado na arte ou sabedoria a mais excelsa possível – já muito eclipsado nos tempos atuais, correremos o grave risco de um dia, não muito distante, não podermos entrar em sala de aula.

        E o mais bizarro de tudo isso é que não faltam pessoas para elogiar o jeitinho brasileiro.

iConflito de Valores é um texto antigo, do início da primeira década do século XXI, que muito hesitávamos em publicá-lo. Em virtude das circunstâncias atuais, resolvemos torná-lo público. Agradecemos comentários.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

TRANSVALORAÇÃO DA VISÃO DO ATUAL CONCEITO DE NATUREZA

Syro Cabral de Oliveira


A Natureza, através de sua própria essência, entra em conflagração e se refaz de tempo em tempo. É o verdadeiro devir cíclico. Assim, as grandes pandemias, ao que nos parece, não deixam de ser um processo natural, que se manifesta periodicamente, onde ocorrem grandes concentrações ou aglomerações humanas, sem, no entanto, esquecermos que as próprias ações dos bandidos, muitas vezes, exercem também esse papeli, sobretudo quando se digladiam entre si, pois, somos parte do Cosmos e consequentemente agimos consoante as suas ações. Nesse sentido, é muito natural que, no campo das ações da natureza, se procurem encontrar deliberadamente responsáveis para os desastres que atingem os seres humanos, mesmo se sabendo que a própria natureza se encarrega espontaneamente de eliminar todos os excessos que ocorrem no seu interior. Isto porque somos produtos de uma cultura que nos incutiu hábitos de procurarmos encontrar, a qualquer custo, um culpado para todos os eventos que se manifestem no globo terrestreii, sejam eles naturais ou não, sem atentarmos sequer que somos uma fonte de pensamentos pessimistas. A razão disso se deve justamente ao fato de que fomos educados, ou melhor, modelados, há milhares de anos, dentro de um determinado paradigma que nos leva a vermos o mundo a partir de um único e mesmo ponto de vista e, que, mesmo assim, este nos parece absolutamente natural.

Nas áreas de grandes concentrações humanas, aliada a um consumo desenfreado, em que se estimula o homem a viajar para lugares distantes do globo terrestre, levando consigo dinheiro para gastar em ambiente de grandes aglomerações humanas, acaba também por espalhar doenças, que surgem a partir de hábitos de comportamento específicos de determinados povos. Fato esse que ocorre à semelhança dos pássaros e outros animais – claro, em uma escala menor –, que levam sementes diversas, inclusive as de ervas daninhas, através de suas fezes, espalhando-as a regiões longínquas. É, de um certo modo, a natureza agindo sorrateiramente.

Essa Ciência, tão idolatrada por um grande número de pessoas, que descobre e fomenta os meios que aumentam o bem-estar do homem, é a mesma Ciência, aliada à tecnologia, que, ironicamente, descobre meios que levam o homem a se deslocar, rapidamente, de uma extremidade a outra do globo terrestre, fazendo com que as doenças se igualem entre todos os homens.

É óbvio que isso se dá porque, justamente, os cientistas não procuram conhecer as consequências de suas descobertas, mas tão-somente se elas atingem cem por cento seus desígnios. O que importa, no âmbito da ciência médica, por exemplo, é que o antibiótico mate as bactérias, independentemente que mate também o paciente. É claro que se pensa, nesse caso específico, em termos numéricos. Se entre cem doentes, 60 ou 80% são salvos, não se leva em consideração os que morrem, infelizmente.

Depois da explosão de uma pandemia, só se mencionam as consequências e procuram encontrar somente os erros nos esforços de seu combate e seus respectivos responsáveis, sem jamais, no entanto, falar das causas do espalhamento do vírus e seus verdadeiros responsáveis.

Ao não se reconhecerem as ações espontâneas da natureza e procurarem sempre um responsável para as suas manifestações, não deixa de ser uma maneira equivocada de se verem as coisas em todo seu conjunto. Se subirmos ao cume das montanhas e olharmos para baixo, vamos perceber que as cidades são um grão de areia diante da vastidão das áreas verdes e das despovoadas. Portanto, os males que as pessoas podem causar ao meio ambiente são muito diminutos em relação à vastidão do universo terrestre intacto. Daí, podemos concluir, claramente, que o discurso que objetiva encontrar responsáveis para os danos ocorridos no meio ambiente, não deixa de ser uma tentativa de desviar os olhares das pessoas do verdadeiro projeto previamente definido, cujo escopo poucas são as pessoas que conseguem alcançá-lo ou vislumbrá-lo.

Sabemos que a maioria esmagadora das pessoas, independentemente do seu grau de instrução, é vítima da manipulação de discursos muito bem elaborados e arquitetados nos bastidores dos interesses ideológicos. Infelizmente ou felizmente, algumas pessoas, através de uma ordem espiritual, conseguem governar o mundo, por meio de ações de uma mão invisível, e conduzir o rebanho humano, mudando sua opinião frequentemente, para lá e para cá, à semelhança de um pêndulo de relógio que, ora está para um lado, ora está para um outro.

A maioria da população mundial é vista como um bando de pessoas que vive em um constante estado letárgico diante de uma minoria, muito lúcida, que conduz o grande rebanho. O próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, já fez menção a essa capacidade oratória de conduzir e modelar a opinião das pessoas.

No meio do cenário das representações da esfera de poder – quer seja no âmbito dos interesses políticos, quer no dos econômicos –, é certo que existe um embate, um jogo de forças que objetive acirrar os ânimos, ou melhor, estimular as emoções, numa palavra, as paixões humanas, segundo um plano preestabelecido de antemão. Nesse tabuleiro, as forças opostas digladiam-se constantemente para ocupar e controlar o espaço hegemônico do mando. Colocam-se em prática seus projetos de caráter persuasivo e logo em seguida querem ter conhecimento do resultado de suas ações, que se desenvolvem, às vezes, em um período de uma semana ou um pouco mais. Os Institutos de Pesquisas de Opinião Pública, que funcionam como uma espécie de termômetro, lançam sondagem de opinião para verificar os efeitos causados na sociedade advindos dessas ações. De acordo com o resultado, intensificam-se tais ações ou as modificam, com o objetivo de atingir seus fins almejados.

Seja lá como for, convocamos os nossos pares para uma grande reflexão em torno da realidade que nos cerca e, ao mesmo tempo, para o cultivo de uma vida isenta de perturbações, cheia de sentido e amor-próprio, para ser premiada de uma longevidade próspera e repleta de encantos.

É hora de repensarmos as nossas próprias ações e também as nossas passividades diante dos acontecimentos que nos afligem e, evidentemente, mudarmos os nossos comportamentos e paradigmas perante a realidade cruel, que nós mesmos a construímos, inconscientemente, e deixarmos a natureza agir em toda sua plenitude, tanto fora de nós como em nós mesmos, e sermos os nossos próprios terapeutas. Devemos abandonar toda espécie de artificialismo, que tem por objetivo último de eclipsar-nos em relação à atuação da natureza por si mesma, pois é certo que o homem não muda e tampouco controla as ações naturais, mas pode conhecê-las para conviver harmonicamente e sem temor com elas.

Deveríamos, desde muito cedo, procurar conhecer a nossa verdadeira constituição corporal e toda a nossa verdadeira natureza – visto que somos um microcosmo –, para que, desse modo, pudéssemos proceder os cuidados necessários de nós mesmos. Com efeito, afastamo-nos tanto de nossa própria natureza que chegamos até mesmo desprezar inteiramente o nosso próprio corpo, deixando-o, na maioria das vezes, em segundo plano e ao seu bel-prazer. Ingerimos líquidos e comemos alimentos que, muitas vezes, são totalmente prejudiciais ao nosso corpo, sem, no entanto, atentarmos para tais malefícios. Infelizmente, não nos conscientizamos suficientemente ainda de que o mal é o que entra pela boca e não o que sai, como muitos soem pensar. Nesse sentido, deveríamos a aprender a nos observar e, além disso, a selecionar tudo aquilo que terá, supostamente, uma potência de desencadear uma ação nociva em nós. Assim, com esse autoconhecimento, tornar-nos-íamos aptos a desenvolver uma técnica terapêutica que teria por objetivo a auxiliar-nos nos cuidados de nós mesmos.

Um processo de conscientização de que a mente é própria para governar, ao passo que o papel do corpo é o de obedecer, levar-nos-íamos, certamente, a uma superioridade em relação a povos que não procuram desenvolver esse aprendizado promissor, pois, não há corpos belos sem que haja de antemão mentes belas. Assim, deveríamos deixar de lutar incessantemente por uma beleza efêmera, constituída através de pinturas e adornos, mas liberarmos todas as nossas energias em prol de uma beleza duradoura e realmente contemplativa.

Uma boa educação nos levaria a conscientizarmos de que, muitas vezes, um médico, ao prescrever-nos uma droga, cujo efeito se manifesta exatamente ao contrário do que esperávamos, nem sempre isso ocorre em função de um erro do médico ou em virtude de sua ignorância acerca de seu campo de ação, mas porque, na maioria das vezes, desconhecemos a verdadeira natureza de nosso próprio corpo e, consequentemente, não sabemos fazer-lhe uma descrição precisa das manifestações sintomáticas apresentadas nele.

Assim, poderíamos concluir cabalmente que a grandeza do homem não está ligada, em hipótese alguma, às coisas advindas do seu exterior, mas, pelo contrário, está intimamente relacionada a uma mente sã e totalmente desapegada de um mundo material e escravizador da natureza humana. Uma medicina que busque meios para curar um doente de um mal qualquer, localizado em uma das partes do seu corpo, desassociando-o do todo, é uma medicina que quer apenas investigar os efeitos e não propriamente as causas. E, por conta disso, já dizia Platão, século V a.C., através de Sócrates: “Zalmoxis, rei da Trácia, atesta, na qualidade de Deus, que, assim como não se deve empreender curar os olhos sem haver curado a cabeça, não se deve igualmente fazê-lo para a cabeça sem se ocupar do corpo, de igual modo não se deve mais esforçar-se por curar o corpo sem se esforçar por curar a alma; mas que, se a maior parte das doenças escapam à arte dos médicos da Grécia, a causa disso é que eles desconhecem o todo de que é preciso cuidar, este todo sem o bom comportamento do qual é impossível que se comporte bem a parte. É na alma, com efeito, dizia meu Trácio, que para o corpo e para todo o homem, os males e os bens têm seu ponto de partida; é daí que eles emanam, como emanam da cabeça os que se relacionam à vista; é por conseguinte a esses males e a esses bens da alma que devem se dirigir nossos primeiros cuidados e nossos cuidados principais, se queremos que se comportem como é preciso as funções da cabeça e as do resto do corpo. Ora, dizia ele, é pelas encantações, bem-aventurado amigo, que se cuide a alma; essas encantações são os discursos que contêm belos pensamentos; ora, os discursos que são de tal sorte fazem nascer na alma sabedoria moral, cuja aparição e a presença permitem doravante causar facilmente a boa saúde na cabeça como no resto do corpo. Ora, ensinando-me tudo, com o remédio, as encantações, ele me dizia para não me deixar persuadir por ninguém de lhe cuidar a cabeça, sem que me tivesse entregue antes sua alma para ser cuidada por mim por meio da encantação! Acrescentava ele que era, relativamente às pessoas, o erro hoje de alguns médicos pretenderem ser médicos de uma das duas à parte da outra, e me recomendava com uma extrema insistência de não me deixar por ninguém, tão rico, tão nobre, ou tão belo fosse, persuadir de agir de uma outra maneira.”, Cármides,157 a-b.

Que lutemos, portanto, não somente em direção da construção de um sujeito autoafirmativo e imbuído de autoconhecimento, mas também em direção de um crescimento que parta do interior para o exterior….

iHá de se observar, por exemplo, a influência das fases da Lua sobre o ser humano.

iiA força da doutrinação religiosa sobrepuja, muitas vezes, as ações espontâneas do homem.


terça-feira, 12 de maio de 2020

O CACHORRO CORRENDO EM CÍRCULO NA TENTATIVA DE PEGAR O PRÓPRIO

Syro Cabral de Oliveira


Em nossa atualidade, os profissionais da ciência médica agem semelhantemente a policiais versus bandidos. Os bandidos saem na vanguarda, inovando a arte da malandragem, ao passo que a polícia se mantém na retaguarda, explicando as ações dos bandidos. Do mesmo modo é a ação de nossos especialistas da medicina. Aparece um novo vírus, causa estrago enorme, os cientistas da saúde descobrem uma vacina depois de todos os acontecimentos. Vem uma nova onda de vírus, aquela vacina se encontra em estado de démodé. Isso faz-nos lembrar também o comportamento dos profetas da economia, isto é, os economistasi. Fazem mil previsões das tendências do mercado financeiro e acertam duas ou três e ainda depois dizem: “Prevemos isso há três meses”, mas esquecem de mencionar que acertaram duas ou três em mil previsões.

Por que isso se dá? Porque esses especialistas querem aprisionar os conhecimentos, agir a partir de rigorosos métodos de investigação, em torno da natureza humana, e acabam produzindo sob pressão do rigor da necessidade, ao passo que, no caso dos bandidos, tudo se dá ao acaso e idem para os vírus. Se esses agentes da ciência médica voltassem suas pesquisas para encontrar um método que procurasse dar conta do que ocorre na atualidade dos eventos, que implicam doenças nos seres humanos, possivelmente, resolveriam os problemas, em torno das novas doenças, com maior rapidez. Mas isso se torna difícil, pois implica uma nova postura, um novo olhar, através de ângulos diferentes, diante da realidade do universo em questão. Mas, infelizmente, fechados em seus métodos de previsões certas, tornam-se absolutamente vesgos, porque se habituaram a ver o seu universo através de uma lente pigmentada, em vez de procurarem uma lente incolor. Ora, os nossos olhos conseguem ver todas as cores, porque, justamente, o nosso nervo óptico é incolor. Como as ciências não querem questionar os seus próprios métodos, passam a se comportar como os cachorros que, na tentativa de pegar o seu próprio rabo, ficam correndo em círculo.

A Ciência, tal como se coloca hoje em dia, cheia de pretensões, não permite um modo de pensar mais amplo. Não precisa buscar nada, pois ela é a autoridade máxima, um verdadeiro dogmatismo deliberado. Qualquer absurdo que se diga em nome dela não se pode questionar ou tentar contestar. Diante de uma tentativa de contestação, ouve-se imediatamente: “Mas isso tem fundamentação científica”. Não se percebeu ainda que as verdades científicas são provisórias. São verdades até quando não se prove o contrário.

No início, quando se descobriu o antibiótico – a penicilina – pensou-se que tinha descoberto o remédio para todos os males, ou seja, a verdadeira panaceia. Quando falhou em alguns pacientes, afirmaram que as bactérias tinham ganhado resistência. Aumentaram a dose e mataram o paciente também.

Tudo mudou com a teoria dos mutantes. Essa teoria permitiu-lhes um olhar mais amplo acerca dos problemas relacionados à saúde. A partir daí, procuraram descobrir outros antibióticos. E assim as coisas vão avançando. O que permite o avanço no campo dos conhecimentos é justamente o debate e os questionamentos.

A arrogância se tornou uma prática a tudo que está ligado à Ciência. A Academia possui toda a virtude da arrogância. Ela é o verdadeiro leito de procusto. E o pior de tudo é que a Imprensa e a Academia, instituições que têm por pretensão modelar as opiniões, ironicamente, não falam por conta própria. A Imprensa diz sempre segundo fulano, beltrano etc. A Academia, por seu turno, usa citações. Ambas não falam por conta própria, porque querem fugir, a todo custo, da responsabilidade. Nem uma nem outra quer responder pelos seus próprios atos.

Nenhum cientista pode se arriscar a falar por conta própria. Qualquer uma de suas publicações tem que ter o aval da chamada comunidade científica. Assim, o cientista pode dizer qualquer besteira, mas se foi publicada em uma revista científica, ninguém pode contestar.

Resolver o problema da pandemia do coronavírus através de isolamento total das pessoas, ao que nos parece, é reconhecer totalmente a incapacidade de se lidar com tal problema. Não deixa de ser uma demonstração da carência de conhecimentos científicos. Pois, uma proposta de solução dessa natureza não depende necessariamente de nenhum conhecimento científico.

Uma atitude dessa natureza faz-nos lembrar da ação do presidente da Petrobras, no governo Temer, para resolver a crise financeira pela qual a referida empresa estava mergulhada. Simplesmente, o nosso brilhante presidente associou o reajuste do petróleo e seus derivados, tais como os combustíveis, à variação do dólar, como se tivesse feito uma grande descoberta e uma excelente administração. Ora, olhar para dentro de si mesmo e somente ao seu redor, sem antevê as consequências de suas ações é revelar a maior de todas as ignorâncias. É como um físico que projeta uma bomba de alto poder de destruição, abrangendo um raio de dezenas de quilômetros de distância, sem levar em consideração que há milhares de seres humanos naquela área.

Obviamente, que não é o papel do cientista prevê as consequências danosas do seu feito, ou melhor, da sua obra-prima, pois trata-se de uma espécie de técnico e como tal, sua obrigação é unicamente de fazer seu artefato funcionar cem por cento. A decisão de prevê as consequências da ação do artefato desenvolvido pelo nosso majestoso cientista cabe ao governante, figura que deveria visar o bem comum.

Implorar pelo isolamento social é o mesmo que abrir mão simplesmente de sua prerrogativa ou competência essencial, que é a de avançar o máximo possível e incessantemente em direção da descoberta do que é próprio para a cura do doente, visto que a Medicina, como arte, não tem por objetivo propriamente curar o paciente, mas tão-somente procurar discernir os meios próprios para sua cura. Além disso, pensamos também que não é próprio da Medicina aconselhar o paciente a fugir da doença. Este último papel deveria ser reservado a uma outra arte. É como que um pseudo-mestre de artes marciais, em sua total incompetência, tentasse ensinar frequentemente aos seus alunos a maneira de como fugirem do adversário, quando se encontram na iminência de uma fragorosa derrota, em vez de prepará-los para desferirem golpes inusitados diante de um adversário terrível. A menos que o isolamento social proposto seja uma estratégia das economias desenvolvidas, para arruinar ainda mais as economias dos países em desenvolvimento, deixando claro que a Ciência, que deveria caminhar em direção da descoberta dos meios possíveis de curar o doente, tornou-se submissa a interesses escusos.

Quando as áreas específicas saem de seu domínio próprio e sugerem medidas, que são inerentes a outro âmbito do conhecimento para solucionar um problema, torna-se evidente o reconhecimento do seu próprio fracasso e assim assinando a sua incompetência no seu campo de investigação.

Se fôssemos verdadeiros mestres das artes marciais, jamais deveríamos treinar os nossos alunos a debandarem-se diante de uma derrota iminente, mas sempre deveríamos prepará-los para saídas inesperadas, que surpreendam o nosso adversário. Tentarmos descobrir meios de vencer o adversário depois da derrota é  o mesmo que querermos lutar por um consolo e satisfazermos o nosso próprio ego. Ora, isso não é, em hipótese alguma, um princípio de grandeza.

Quando uma Ciência se mostra totalmente incompetente em seu próprio domínio, coisa que Aristóteles, o pai das ciências, certamente não queria, não deixa de nos preocupar muito, pois, evidencia a autoridade da Academia, ou melhor, pseudoautoridade, na medida em que esta mesma Academia arroga para si mesma uma autoridade desassociada da realidade.

É preciso, no entanto, que as pessoas abandonem o hábito de ler apenas aquilo que os doutores escrevem ou indicam. Devemos nos tornar autônomos, sujeitos autoafirmativos e procurarmos trilhar os nossos próprios caminhos.

Há pessoas que confundem avanço da Medicina com o auxílio da tecnologia. Pensam elas que uma cirurgia realizada por meio de videolaparoscopia seria um avanço da ciência médica. É um ledo engano. O médico que domina esta técnica, com orgulho, não deixa de ser um serviçal da tecnologia. Um serviçal da indústria produtora desses aparelhos.

Essa turma que escolhe o curso de medicina, ultimamente, em sua maioria, parece-nos, que vai em busca apenas de um cheque em branco, ou seja, em busca de riqueza, porque bem sabe ela que a doença é uma constância no ser humano, sobretudo, em sociedades de alto nível de ignorância. A saúde está diretamente relacionada aos bons hábitos de vida e, evidentemente, a uma boa alimentação. Como as indústrias, ligadas ao ramo da alimentação, estão ávidas por lucros incomensuráveis, procuram, através de pesquisas, meios para aguçar o prazer de comer, principalmente, alimentos que pouco ou nada contribuem para uma vida saudável. Nessa esteira, vêm junto os pesquisadores de alimentos que causam determinadas doenças, com a finalidade de estimular seu consumo, visando altos lucros, por meio de comissões, através da venda de remédios. Criam-se as doenças e simultaneamente o remédio.

É possível que algumas pessoas vão compreender isso, que estamos colocando aqui, somente quando tiverem algum de seus membros da família sendo vítima de uma medicina claudicante, uma medicina que não se envergonha de defender os interesses de grandes grupos financeiros e donos de laboratórios.

iTrata-se de áreas do conhecimento relacionadas ao ser humano; logo, é impossível fazer previsão com rigor matemático.