Syro
Cabral de Oliveira
O
medo, o pavor, a insegurança e todos os sentimentos desse mesmo
gênero são, na maior partes das vezes, produtos da ignorância
humana. Embora os sentimentos humanos, em sua maioria, se dão em
virtude de nossos valores culturais, mas, mesmo assim, alguns são
naturais e logo universais no tocante aos seres humanos globalmente.
Chamamos de naturais todos os eventos que acontecem frequentemente do
mesmo modo, o que nos permite, naturalmente, fazermos previsões. Assim,
todas as ciências experimentais são o que são em virtude da
repetição dos fenômenos naturais.
Os
seres que sofrem mudanças por si mesmos se encontram na categoria
dos seres naturais. Assim, a criança que se torna adulto ou a
semente que se torna árvore sofreu uma mudança ou um movimento de uma
categoria a outra. Esse tipo de movimento, chamamos de movimento
intrínseco ao ser, ou seja, trata-se de um movimento natural, pois
não há necessidade de nenhuma força exterior ao próprio ser; ao
passo que, quando se transforma uma madeira em uma mesa, também
houve um movimento, ou seja, a passagem da madeira à mesa. Nesse
caso, trata-se de um movimento artificial, isto é, extrínseco ao
ser ou à coisa. Em outras palavras, os movimentos ou as mudanças
naturais são inerentes aos próprios seres ou às próprias coisas,
ao passo que os movimentos ou as mudanças artificiais são exteriores
aos próprios seres ou às coisas.
Voltando
à questão dos sentimentos humanos, podemos notar que mesmo entre as
pessoas ateias há uma manifestação evidente pela aceitação da
imortalidade da alma. Não há nenhuma contradição entre seu
comportamento e as suas convicções, como algumas pessoas poderiam
pensar. Isto por que, a imortalidade da alma e a existência de Deus
são duas coisas absolutamente distintas. Uma coisa não implica
outra por mais que a crença comum procure sustentar. O sentimento de
imortalidade da alma é um sentimento natural e logo comum a todos os
seres humanos, independente de suas convicções pessoais. Povos de
diferentes culturas e que nunca tiveram contatos entre si
manifestam-se naturalmente em direção desse tipo de sentimento, ou
seja, de que a alma é imortal. Já a crença na existência de um
ser superior e transcendente é uma invenção humana, com o puro
propósito de alguns homens se valerem dessa ideia e, consequentemente,
se achar no direito de dominar outros homens em consequência da
ignorância dos últimos1.
Assim,
podemos observar que, diante dos fenômenos naturais, há também uma
tendência natural entre os seres humanos em segui-los
inconscientemente. Podemos pensar em dois meios de produção: o
capitalismo e o socialismo. O último, como se nota, é um modo de
produção artificial, elaborado ideologicamente por alguns homens,
com a intenção de submetê-lo à humanidade, ao passo que o
primeiro surgiu espontaneamente, entre os homens, sem nenhuma regra
preestabelecida. Vemos que mesmo entre as sociedades socialistas, em
seus momentos difíceis, estas recorrem as regras do capitalismo, na
tentativa de impedir que sua máquina governamental perca o rumo e
consiga sobreviver às grandes turbulências e às crises periódicas.
Do mesmo modo, notamos também que entre as diversas convicções
religiosas, os seres humanos, em seus momentos difíceis, deixam seus
sentimentos ligados à imortalidade da alma se externarem com toda
força. Isso se dá porque é impossível as pessoas se manterem
artificialmente o tempo todo. O inconsciente humano, ou seja, essa estrutura que é produto de um sentimento puramente instintivo e próprio de um
determinado gênero animal, tende naturalmente a seguir tudo aquilo
que não seja elaborado artificialmente.
Fabiano
Costa, em seu livro Contos
de Medo e outras histórias de pavores e assombrações,
Litteris Editora, soube explorar e retratar, com toda propriedade,
esses sentimentos humanos velados em algumas pessoas, mas muito
manifestos em outras. Costa faz um passeio pelos bairros da capital
carioca, narrando episódios arrepiantes e assustadores, cheio de
acontecimentos trágicos. Com a sua habilidade inacreditável de
fazer esses tipos de narrativa, traz à tona imaginações
adormecidas no âmago de nosso inconsciente e mexe com o grande
desejo de mistérios, que é próprio do gênero humano. Isto
por que, nos momentos de aflição ou angústia, o ser humano tende, naturalmente, a deixar sua imaginação aflorar, com toda intensidade.
Sua mente passa a viajar e buscar soluções ou explicações para os
seus problemas através do chamado mundo sobrenatural. Para algumas
pessoas, esse tipo comportamento é tido como uma pura invenção ou
algo artificial, mas para alguns filósofos, não há nada de
inventivo ou artificial nesse tipo de comportamento, pois, segundo
eles, tudo que o homem predica é, justamente, uma consequência de
uma realidade que sempre existiu. Assim, observamos que Costa,
conscientemente ou não, procura explorar esse sentimento da
imortalidade da alma, o qual é absolutamente próprio e natural do
gênero humano. Ele narra as nossas fantasias que, no fundo, em
hipótese alguma, são destituídas de realidade. Tudo que
imaginamos é um produto de uma realidade perdida ao longo de nossas
vidas passadas. O que Costa narra não é nada mais do que uma
rememoração de um passado longínquo, vivido por ele, sem que o
tenha plena consciência desse mundo vivido em uma época perdida ou
apagada, em virtude da decadência humana. O afastamento do homem das
coisas divinas fez com que ele atualmente viva temeroso, assustado e
inseguro em relação a algo que ele não pode explicar à luz de um
olho corporal. Não pode explicar porque a nossa mente está
inteiramente vinculada às coisas divinas, isto é, aos objetos não
materiais, sem que o homem mundano atual tenha plena consciência
desse fato. Assim, para que não haja nenhum mal entendido, vamos
deixar claro que a divindade é entendida aqui, sobretudo, pelos
espíritos mais elevados, como a pura inteligência, o puro
raciocínio, numa palavra, a pura imaterialidade. Sempre que nos
encontramos em aflição procuramos, naturalmente, uma resposta para
os nossos conflitos por meio de um dito mundo de fantasia ou um mundo
de imaginação que, para algumas pessoas, não existe. Se
desenvolvermos ao máximo o nosso lado divino, tornar-nos-emos
totalmente livres dessas angústias ou aflições que, vez por
outras, se apoderam de nossas mentes.
Os
contos e as narrativas de Costa são, na realidade, um verdadeiro
alimento para as nossas almas, na medida em que nos fazem relaxar e
muitas vezes vingar desafios e certas provocações advindos de
algumas pessoas arrogantes e todas as mágoas contidas em nosso
coração em virtude do descumprimento dos acordos estabelecidos
tacitamente entre as pessoas . “O lápis” e “Você não tem
coragem!”, contos de sua obra, não deixam de ser uma boa
ilustração para situações que implicam falta de respeito e
reconhecimento de nossos valores morais.
O
leitor que percorre as páginas de sua obra vai encontrar,
certamente, muitas passagens que não são nada mais que uma
descrição de situações imaginadas ou devaneadas em seu dia a dia.
É natural que alguns leitores, ao entrarem em contato com a sua
obra, venham experimentar algumas sensações de medo, arrepio pelo
corpo afora ou outras similares. Esses tipos de sentimento são
fáceis de se explicar, pois se dão em virtude da nossa ignorância,
isto é, da falta de conhecimento ou de uma falta explicação clara para
determinados fenômenos. O homem diante daquilo que ele não pode ou
sabe explicar ou ainda não possui uma resposta clara para seus
questionamentos se torna temeroso, frágil e, por conta disso, vai
buscar uma resposta ou explicação, não bem fundamentada, através
do sobrenatural. Todos os fenômenos da natureza, tais como o vento,
os raios, a tempestade, o fogo etc., quando se manifestam com grande
intensidade, o homem comum tende a vinculá-los a obra de Deus. Todas
as forças incontroláveis, que são forças da natureza, é natural
o homem comum ou o homem do povo atribuí-las às divindades. Assim
foi no passado e ainda o é, mesmo que inconsciente, entre as pessoas
não muito esclarecidas.
A
falta de conhecimento leva o homem a se tornar temeroso, frágil,
dócil, dependente etc. A exemplo disso, podemos observar que logo no início, em que apareceram algumas pessoas vitimadas pelo vírus
HIV, quando ainda não havia uma explicação clara para esse novo
tipo de doença, seus familiares evitavam falar seu nome – AIDS –,
mas diziam que o paciente estava com aquela “coisa”. O temor faz
com que as pessoas não tenham coragem de sequer mencionar
determinadas palavras. Tudo isso – é claro – se dá em virtude
de dois aspectos: o temor ao desconhecido, ou seja, àquilo que ainda
não tem uma explicação clara, e, em segundo lugar, em consequência
do poder mágico que as palavras possuem. Mencionar oralmente a coisa
seria trazê-la presente.
Há
um certo interesse das classes dominantes em manter esse estado de
sentimento de fragilidade para melhor se manter no poder. A partir do
início da segunda metade do século XIX, em uma palestra proferida
pelo professor dr. Mitcheil, reitor da faculdade de Trinity e
presidente honorário da Associação de Estudos Clássicos da
Irlanda, à Conferencia Inaugural da Associação Clássica da
Irlanda, no Centro da Indústria (University College Dublin), em 25
de março de 1993, discorre sobre a reviravolta da grade curricular,
em virtude do desenvolvimento industrial nos anos 60 e a ênfase nos
estudos técnicos e científicos, em detrimento das matérias
vinculadas aos Estudos Clássicos. O vernáculo (a língua pátria) e
todas as disciplinas ligadas aos saberes tecnológicos, tais como a
matemática, a física e outras disciplinas correlatas são
contemplados. Tudo isso para atender a “Uma nova preocupação com
o crescimento econômico e o avanço tecnológico bem como uma nova
noção de relevância e utilidade na educação focalizou o ensino
os meios mais rápidos de aquisição de habilidades específicas
para o mercado e questionou o valor de todos os estudos que tinham
uma aura acadêmica que produziriam mais uma elite cultural e
intelectual que uma força de trabalho tecnicamente eficiente e
tecnologicamente inovadora.” E justifica o professor, em sua
palestra: "O grego e o latim não são meras disciplinas; eles
representam todo um mundo e envolvem uma grande variedade de assuntos
como linguagem, literatura, história e história política, social,
militar e econômica e cultural, filosofia, religião, arte e
arqueologia". Assim, o jovem que entrar em contato com este
mundo de ideias não só vai ter condição de compreender melhor o
mundo que o cerca, como também discernir, com maior facilidade, o
falso do verdadeiro; vai estar muito mais aberto e apto para
enfrentar e solucionar os novos desafios que o mundo de hoje exige.
Mas, uma pessoa esclarecida se torna uma ameaça, um perigo para o
sistema, para o poder dominante. É melhor mantê-la na ignorância,
pois, como é sabido de todos, “gado assustado segue o chicote.”
Finalmente,
queremos deixar como recomendação – para uma viagem através de
um mundo não tangível ou não visível, o qual para algumas pessoas
não existe, mas, ao contrário, diremos que se trata de um mundo que
de fato existe e é absolutamente real, porém sua existência se
efetiva e se dá somente em nossas mentes, em nossas cabeças – a
leitura da obra do professor de Sociologia Fabiano Costa, já citada
acima. Todo mundo tangível ou visível não deixa de ser uma real
projeção do que existe em nossa mente. Assim, o mundo se torna
múltiplo, pois ele varia em conformidade com as nossas mentes.
1
Se Deus, um unicamente, pode
governar o Universo inteiro, tal como um verdadeiro tirano, por que
eu, um ser humano, que sou sua imagem e semelhança, não posso
governar, tiranicamente, um país? Certamente, essa seria uma maneira bela,
absolutamente convincente, para muitas pessoas justificarem a
tirania e os sistemas ditatoriais.