quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ORIGEM DA CRIMINALIDADE

Syro Cabral de Oliveira

Origem da Criminalidade O problema da criminalidade não passa pela falta de policiamento, como querem fazer crer os nossos políticos. A verdadeira causa é, evidentemente, de outra natureza. Infelizmente, os nossos governantes sabem disso, mas não querem resolver por conveniências próprias. É que uma vez solucionado o problema, eles não terão mais a velha e poderosa plataforma de campanha política.


O problema, na realidade, é de natureza moral. E este problema só pode ser resolvido mediante um processo educativo sério e criterioso. Não há outro caminho senão esse. As escolas, ultimamente, em todas as esferas, quer municipal, quer estadual, quer federal, visam um só objetivo, isto é, o de fazer com que o aluno apenas passe por elas, sem que modifique em nada seu modo de pensar e ver o mundo.

Analisando com maior profundidade e tentando desvelar seu ponto original, vamos concluir que todas as mazelas de nossa sociedade convergem para um único ponto, ou seja, o abandono desmedido, ao longo do tempo, do patrimônio mais valioso de uma nação, isto é, seu povo. O povo brasileiro foi lançado, por meio de um trabalho bem delineado, a um pântano, para depois se apresentarem a ele os salvadores, os cristos. Na realidade, construíram o pântano e ao mesmo tempo a corda de salvação. Lança-se o indivíduo ao pântano e logo a seguir a corda com o propósito de tirá-lo, sempre com o cuidado de manter o pântano intacto. Usam todos os meios também para não permitir que o indivíduo sequer cogite em fiar a corda, pois assim mantêm-no na dependência.

Daí, dá para perceber a razão de investirem alto nesses tão propalados modelos de educação em voga em nossos dias. Falam, com desenvoltura, em promoção continuada e em coisas do gênero. O mais doloroso de tudo isso é que há muitos teóricos da educação que, em essência, são verdadeiros incautos que no fundo os ajudam a alavancar seus famigerados projetos. Seus erros residem exatamente nisso. Eles se perdem em conceitos gerais, dessa forma distanciando-se da realidade última das coisas (no caso em questão, a massa dos jovens no período de ingressar no sistema educacional)(1). O bom teórico é aquele que é capaz de compreender a essência dos conceitos gerais e a realidade quotidiana da massa humana que se encontra no período escolar, a qual está propensa a receber os valores morais estipulados há séculos. Mas, normalmente, aqueles teóricos são, sem escrúpulo, os verdadeiros alienados, pois vivem sempre a vagar acima dos elementos fundantes do objeto de sua investigação. Não percebem, com nitidez, que subjaz nesses projetos um propósito de segunda intenção, o qual tem por fim assegurar de antemão um estado de coisas: o resultado que visam, de um certo modo já existe e se encontra de maneira ardilosa na sua própria estruturação. É como a velha sapiência dos astuciosos que quando fazem uma pergunta já têm a resposta embutida por antecipação. A pergunta funciona, na realidade, apenas para confirmar o que já se queria. Isso deixa claro que essa gente aprendeu bem a lição de Sócrates. Não houve ninguém na história do saber melhor do que Sócrates no uso do método indutivo. Essa foi uma velha prática - do nosso filósofo - a de caçar o objeto que já possui por antecipação.

Mas para chegar a isso, os defensores do atual modelo ideológico elaboraram, durante alguns anos, um sistema perfeito para atender, ou melhor, sustentar seus métodos astuciosos. Ora, ouvimos quase que uma voz uníssona em todos os veículos de comunicação que a natureza de nossos problemas reside na falta de hospital, presídio, moradia etc. Não há nada mais falso que isso. Não adianta construirmos uma cidade inteira, por exemplo, de presídios, se todos os anos lança-se nas ruas um número assustador de semimarginais, para não dizer marginais. Nesse caso, construir presídio é análogo à história de puxar água, com o rodo, que está entrando por um buraco em minha casa. O mais sensato seria fechar o buraco para depois fazer a limpeza da casa. O mesmo, naturalmente, aplica-se ao caso dos presídios. Em primeiro lugar, devemos investir maciçamente na educação(2), para com isso evitar a construção de monstruosos presídios destinados à segurança. Até porque, quando se pesa bem as coisas, percebe-se com clareza que fica bem mais caro construir presídios que investimento maciço em educação. A construção de presídios, como é do conhecimento de todos, implica manutenção, ampliação do número de policiais etc., sem contar evidentemente, quando se volta para esse tipo de investimento ao arrepio das coisas, os próprios policiais tornar-se-ão pessoas propensas à corrupção, à negligência e coisas do gênero.

O bom policial é aquele que conhece perfeitamente a arte da criminalidade, e o bom bandido é aquele que por seu turno conhece também a atividade policial. O que não pode ocorrer é o primeiro se deixar levar pela atividade do segundo, do mesmo modo que o segundo não se deixa levar pela atividade do primeiro. Essa aliança só ocorre quando o policial se encontra à margem de sua função. Nesse sentido, o bandido está muito mais fiel às normas de sua atividade do que o policial. Assim, dá para perceber que o policial está numa linha entre a marginalidade e a legalidade. Sabemos que o que sempre predomina em qualquer circunstância é aquilo que se dá em maior quantidade. Se o policial tende para o outro lado, isso significa dizer que a marginalidade ocupa um lugar de maior destaque no seio da sociedade. E isso fica bem evidenciado quando ouvimos as notícias veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Os veículos de comunicação em sua totalidade fazem a apologia do crime. E essa prática, em hipótese alguma, está em contradição com o princípio norteador da comunicação social, pois os teóricos da comunicação costumam dizer que a função da imprensa não é a de criar tendências, mas sim reforçá-las. Partindo dessa tese, podemos concluir que nossa sociedade está por inteira contaminada pelo vírus da criminalidade, já que a imprensa só reforça as tendências já existentes. E tudo isso é muito visível, não somente nos programas jornalísticos, como também em todas as produções televisivas, tais como as novelas, seriados etc. Daí se conclui que a educação é a base de tudo. É ela, quando levada a sério, que formará o caráter do homem. O homem não se corrompe porque tem um baixo salário, pois se isso fosse verdade, o juiz Nicolau dos Santos Neto, Paulo César Farias e outros do passado e atualmente no poder não se corromperiam. E mais uma vez fica evidenciado que a questão da corrupção é de natureza intrínseca aos valores morais. E valores morais são coisas que se adquirem, portanto, passivos de serem ensinados. Se os homens não os possuem é porque não foram ensinados.

A máxima, tão propalada por muitos, que sustenta que "todo homem tem seu preço" só pode ser verdadeira em situação peculiar. Numa sociedade em que predominam valores negativos (imorais) e a "lei" dos mais espertos, há homens que se corrompem por um preço menor e outros por um preço maior. Evidentemente, isso varia de acordo com a situação financeira de cada um, ou melhor, os bens materiais que cada um possui. Quem possui mais exigirá mais. Os homens, na verdade, devem possuir muitos bens, mas não devemos perder de vista que seus bens principais devem ser de natureza intrínseca a eles mesmos. Esses bens devem ter fim em si mesmos para que não se tornem meios para atingir um fim exterior com o intuito de atender a suas vaidades pessoais. E assim como os bens que são intrínsecos, espirituais e fins em si mesmos não devem converter-se em meios, também os bens extrínsecos, materiais e que são meios não devem converter-se em fins. Numa sociedade, cujos valores predominantes são os positivos, portanto, possuidora de bens espirituais, sequer seus membros pensarão em se vender por bens extrínsecos a si mesmos, até porque esses lhes parecem estranhos.

Eis a razão do aumento assustador da violência nas sociedades mais novas. Seria de bom alvitre atentar para esse termo violência. Costuma-se usá-lo freqüentemente como sinônimo de criminalidade, ou, até mesmo, marginalidade. Ora, na realidade, a criminalidade é uma conseqüência da violência. Não pode haver uma sociedade com índice alto de criminalidade se não houver violência. A palavra violência pode ter sua origem em dois termos gregos: Bia e Hybris; o primeiro significando força ou força vital, que está mais próximo do nosso significado; o segundo pode significar tudo aquilo que ultrapassa a medida, excesso, desmedida. Essa última acepção é, na verdade, a mais apropriada, pois, está nela embutido o aspecto ético. O homem, nesse caso, deixa seu lugar próprio, sua morada, sua medida, para ir além. Esse além significa que ele saiu do seu lugar próprio, distanciando assim da verdadeira natureza humana. Nesse sentido, ele causa nos outros homens inveja, ira, ódio etc., o que naturalmente irá explodir de modo visível. Se a violência se dá de modo quase invisível, a criminalidade dar-se-á de modo totalmente visível. Em outras palavras, a explosão de sentimento contido em função do uso inadequado do poder por parte de quem o exerce.

A violência, em seu sentido rigoroso, não é nada mais nada menos do que a ausência de justiça. E a ausência de justiça não pode deixar de ser, em todos os sentidos, o elemento causador número um de indignação, furor, ira etc. nas pessoas do povo, pois as pessoas comuns agem instintivamente de modo desagregado e só se agregam em casos extremamente excepcionais. Elas, portanto, sentem-se indefesas e em virtude disso passam a rogar por justiça. Uma vez seus rogos não sendo atendidos por parte daqueles que as representam, os sentimentos de ódio, furor, ira etc. aumentam e, consequentemente, serão expurgados de alguma forma. Assim sendo, fica fácil compreender que a criminalidade não deixa de ser, de fato, uma conseqüência da violência, a qual tem sua origem nos grupos de pessoas que exercem o poder em determinada sociedade. E essas pessoas que o exercem - cuja determinação correta para tal função deveria ser política, entendendo esta como exercício da ética - deveriam não só praticar as suas ações em conformidade com os valores morais como também zelar por eles. Infelizmente, os seus métodos são, de um modo geral, incompatíveis com essas virtudes, pois, eles lutam o tempo todo para alcançar o poder com o intuito de locupletarem e exercerem-no egoísticamente. Isso é tão estranho à política como a humildade ao sábio. Na verdade, o verdadeiro político é aquele indivíduo que, imbuído de qualidades morais, sacrifica a si mesmo em prol da comunidade.

Daí se conclui que, para alterar o atual estado de coisas, urgiria tomar medidas radicais que, num futuro não longínquo, viriam surtir efeitos. Essas medidas deveriam todas, sem exceção, convergir para um só ponto, ou seja, para a natureza humana. Portanto, tem que se investir maciçamente na formação do caráter do homem e guiá-lo sempre em direção das grandes coisas próprias à natureza humana, tais como grandeza de alma, elevação de espírito etc. Um trabalho dessa natureza, quando feito de maneira sistemática, fará com que tão logo a juventude adquira uma nova concepção de mundo e passe a compreender que ela própria é co-responsável não só pelo atual estado de coisas, como também pela sua alteração para um mundo melhor e mais justo. Além disso, compreende também que seus dirigentes são um produto da sociedade, da qual essa mesma juventude é o elemento básico de sua formação e, se os seus dirigentes possuem o germe da corrupção é porque a própria sociedade é corrupta. E isso fica bem evidenciado no seguinte raciocínio: do mesmo modo que uma certa porção de água não contaminada, ao entrar em contato com águas impuras, se contaminará, um indivíduo honesto se desviará da sua retidão ao se misturar com homens de baixo valor moral. Isto porque, os homens honestos, de um modo geral, são representados, numa determinada sociedade, por uma quantidade bem exígua, ao passo que, o seu oposto é bem mais numeroso. Nesse sentido, aqueles devem estar sempre vigilantes para que não sejam influenciados por estes, pois, como é do conhecimento de todos, o maior – seja falando numericamente, seja em vício ou em outra coisa qualquer – sempre sobrepujará o menor – quer em quantidade, quer em elevação espiritual ou em outra coisa qualquer.

Os homens retos não só devem recusar qualquer convite ou vantagens fascinantes para tomar parte das facções corroídas, como também procurar, a todo custo, não se deixar seduzir pelos cantos melodiosos das sereias. O herói Ulisses (HOMERO. Odisséia), embora astucioso, não deixou de se precaver diante da tentação que iria aparecer em seu caminho. Ele não só tapou os ouvidos dos tripulantes com cera, como também se amarrou ao mastro da embarcação e os recomendou a não cederem à sua aflição e o livrarem das amarras. Ulisses tinha certeza, de antemão, que o canto das sereias era sedutor e a não precaução implicaria necessariamente um desastre sem precedente, uma vez não poder mudar de rota.


(1) Infelizmente, é assim mesmo que procedem os nossos pedagogos. Eles se colocam num nível elevado, semelhante a uma torre de marfim, e querem teorizar com certa desenvoltura sobre a educação sem ao menos dominar com precisão os conceitos gerais. Ficam girando em torno do objeto de sua investigação, num processo apodíctico, sem nada acrescentar e nem conseguem dizer algo de verdadeiro sobre a sua natureza última.
(2) É como já dizia o grego Pitágoras de Samos, no século VI a.C.: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens.” Isto, sem mencionar, também, que os progressos materiais de uma nação dependem necessariamente dos espirituais e que é um grande erro pensar que o poderio econômico sobrepuja os valores espirituais de um povo. Ademais, é bom observar ainda, com o mesmo vigor, que uma boa saúde depende diretamente de uma boa educação. Os hábitos alimentares são decisivos para uma saúde perfeita.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

CONFLITO DE VALORES

Syro Cabral de Oliveira
Uma andorinha só não faz, verão!

A andorinha e os outros pássaros

Uma andorinha, tendo visto um lavrador semear visco no campo, mandou reunir todos os pássaros e disse-lhes que o visco servia para fazer redes de passarinheiros e armadilhas. A andorinha pediu-lhes insistentemente que a ajudassem a apanhar as sementes e a destruí-las. Embora ouvissem o que ela lhes disse, os outros pássaros não fizeram nada e, assim, com o tempo, o visco rebentou, ganhando raízes no solo. Mais uma vez, a andorinha avisou-os, dizendo-lhes que ainda não era tarde para evitarem as complicações se atuassem imediatamente. Mas os pássaros continuaram a ignorá-la e a andorinha deixou os bosques e foi viver na cidade. O visco cresceu alto e forte e foi colhido. Mais tarde, a andorinha viu alguns dos pássaros que tinham sido apanhados recentemente nas redes feitas com o visco contra o qual ela os avisara. Agora, eles tinham aprendido a lição, mas era demasiado tarde.


Os homens sábios sabem prever os efeitos de certas causas, mas os loucos nunca acreditarão neles, até ser demasiado tarde para impedir o desastre. Demoram-se e arriscam-se.
ESOPO

Para os pais, a Escola está cumprindo com o seu papel satisfatoriamente, mas na realidade isso não vem ocorrendo em sua plenitude. Desse modo, quando algum professor procura seguir à risca os procedimentos inerentes a uma boa educação (formação da conduta humana), esses procedimentos, num olhar precipitado, parecem ser um desvio da normalidade. A razão disso está justamente no confronto de idéias que se dá entre o consueto e a aplicação da arte, entendida esta como capacidade intelectual que faculta a mais alta distinção entre o falso e o verdadeiro. Esta arte, quando posta em ação de modo absoluto, se apresenta como uma transgressão ao habitual. Como o habitual não é nada mais nada menos do que a repetição, com uma certa freqüência, de um determinado evento, à primeira vista parece ser o correto – e é assim mesmo que as pessoas costumam pensar: tudo que se repete, obedecendo a uma certa seqüência mais ou menos constante, é o correto –, os pais, em face disso, entram obviamente em choque quando vêem esta "normalidade" quebrada, já que aquela confiança cega – que eles sempre depositaram nos seus filhos – é colocada em xeque. Esta frustração não é de fato à-toa, porque, a interiorização de nossos valores, na verdade, é fruto da repetição de uma gama de modelos preestabelecida por uma superestrutura social que dita o que ela determina ser o “correto”. Desse modo, a coisa complica ainda mais quando se tenta aplicar estes atos repetitivos genericamente de maneira irrefletida. Quando se tem, por exemplo, uma verdade particular e se queira aplicá-la ao universal.

Ora, pois, vejamos. Em virtude da freqüência com que se dê um evento, as pessoas ingênuas tendem a tomá-lo como uma lei. Ora, a verdadeira essência da lei não está nem sempre na repetição de um fato, mas na própria natureza deste. Como o modo de pensar do chamado homem moderno (para não fazer uso de um termo muito em voga e pomposo: globalizado) está inteiramente influenciado pelo atual modelo científico, isto é, pela démarche indutiva, que se funda justamente na freqüência com que se dê um evento – o que não é errôneo para casos particulares –, as pessoas comuns seguem esse modelo como se fosse uma verdade absoluta. O erro não está muitas vezes na repetição de um evento, quando considerada dentro de uma determinada especificidade, mas na aplicação da conclusão de que a lei é sempre fruto da freqüência de uma repetição, isto é, quando se toma esta repetição particular como uma regra geral e se a aplica ao universal. Ora, se isso fosse verdadeiro, o fato, por exemplo, de alguém jogar uma moeda para o alto cinqüenta vezes e todas as vezes que a moeda tocar o chão ter a coroa voltada para cima, poderíamos concluir a partir daí com toda justeza que a próxima vez que a moeda for lançada ao ar cairá necessariamente no chão com a coroa voltada para cima. No entanto, todos sabemos que a coisa não se passa precisamente assim, porque, por mais que haja a repetição, a chance de cair cara ou coroa voltada para cima continuará sendo de cinqüenta por cento no próximo lançamento da moeda para o ar. A menos que se trate de uma moeda viciada.

Diante da inadequação, isto é, de tomar o acaso pelo necessário, as pessoas se sentem frustradas e, de imediato, concluem que é a realidade que está errada e não a sua interpretação dos fatos influenciada por um método de natureza indutiva, que está inteiramente inapropriado para se fazer dele um uso de caráter absoluto. Conseqüentemente podemos, logo, concluir, com toda propriedade, que formar estrutura é fácil, o difícil é quebrá-la. E é assim mesmo que nascem os paradigmas.

Daí, no caso específico aqui, o grande conflito. Entre um professor e uma Instituição dificilmente alguém hesitaria em ficar com a segunda. Porque, na ordem dos sentidos, imagina irrefletidamente que o maior sempre sobrepuja o menor. Nunca pensa que isso é absolutamente verdadeiro no âmbito do quantitativo e não no do qualitativo. Sabemos que, na esfera dos valores morais positivos, estes têm sido, ao longo dos tempos, objeto de fracasso. A imoralidade tem sempre triunfado de maneira colossal, como já dizia o nosso grande e saudoso Rui Barbosa, "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

Desse modo, a Escola continua fingindo que está cumprindo com o seu papel satisfatoriamente, pois, todos os professores que insistirem nessa direção, isto é, a de optar pela efetivação de ações que tenham por objetivo a formação do caráter nobre no jovem, pagarão obviamente um preço alto. Para que esse preço não se efetive, cada professor, de modo individual, deverá abdicar de seus projetos pessoais em prol de um pseudo-universal. E assim, a cultura do fracasso, a cada dia que passa, vai se intumescendo assustadoramente. Nesse sentido, a irresponsabilidade vai grassando e universalizando-se em todos os níveis da sociedade. Vejamos como a cultura irrefletida vem se oficializando.

Numa determinada escola pública ocorreu um episódio bastante engraçado, com um professor, para não dizer muito ignóbil e asqueroso. Este professor marcou uma avaliação para a primeira semana após o período de recesso, o que pareceu muito extravagante e fora de propósito à vista de alguns de seus colegas de profissão. Não sabiam eles que a sua formação não o permitia compreender com clareza a linha divisória entre o que está ligado a um caráter nobre e um caráter baixo. Isto por que, no seu modo de entender as coisas, há na verdade dois mundos que não se misturam. Um de seres absolutamente autogovernáveis, isto é, de seres realmente humanos, e um outro que na realidade não passa de um fosso, onde vivem seres que de humano só têm a aparência. Não sabemos, neste caso, distingui-los com clareza se de fato são seres humanos ou autênticos animais, que se deixam guiar apenas pelos instintos, os mais abomináveis possíveis. Pois o processo de educação não é outra coisa senão análogo ao cultivo de uma planta. Seu desenvolvimento é diretamente proporcional à seleção cuidadosa da semente, à escolha do local onde ela deve ser colocada para germinar, ao acompanhamento de sua germinação etc. Em conseqüência disso, dá-se para perceber que o desempenho de suas características essenciais depende diretamente dos cuidados minuciosamente despendidos ao longo de sua formação, compreendendo esta como o coroamento de todos os valores intrínsecos à sua própria especificidade. Nesse sentido, para este professor, nossas responsabilidades começam no momento em que assumimos determinados compromissos, sobretudo, quando envolvem outras pessoas diretamente. Assim, ele não conseguia graduar as nossas responsabilidades. No seu modo de pensar, elas são iguais tanto no início de uma determinada jornada de trabalho como no seu fim. Quer dizer: ele sempre se deixou guiar pelo princípio da coerência moral. O fato de um profissional chegar atrasado 30 minutos no primeiro dia de trabalho, em relação à hora predeterminada de entrada em seu setor, 40 minutos no segundo, 50 minutos no terceiro, 60 minutos no quarto dia não lhe dá o direito de chegar 70 minutos no próximo dia. E, além disso, no seu ponto de vista, jamais poderemos esperar que esse funcionário chegue ao próximo dia atrasado em relação ao seu horário predeterminado. Se o seu horário de entrada for às 8h da manhã, por exemplo, deveremos esperá-lo sempre que chegue às 8h da manhã. Não é o hábito do vício que deve tornar-se uma regra, mas o contrário, é o hábito do bom comportamento que deve ser estimulado, para que se torne uma freqüência em nossas vidas.

Se os professores não derem o bom exemplo, cumprindo com seus deveres e fazendo com que os seus alunos por seu turno cumpram também os seus, nunca poderemos esperar que o país venha a produzir estadistas de grande excelência como outrora, pois, não é, ao que parece, mais verossímil que desses últimos saiam os professores, como soem pensar, mas o contrário parece ser mais convincente. Assim, quando assistimos a alguns profissionais da educação reclamar dos atuais políticos, atribuindo-lhes todas as responsabilidades acerca dos erros e das mazelas por que passa o país, vemos que eles não percebem que de fato trata-se da cultura, já arraigada nesse povo, de que a responsabilidade por todos os problemas de ordem social é sempre do outro e nunca vêem com clareza que são eles próprios também a fonte da degradação moral. Não percebem também que o papel da imprensa e dos governantes é justamente o de reproduzir valores já existentes na sociedade. Logo, se nós, profissionais da educação, não fizermos uma cuidadosa reflexão em torno dessa pseudocultura e não procurarmos dar o basta nela, rogando pelo princípio de autoridade – princípio este fundado na arte ou sabedoria a mais excelsa possível – já muito eclipsado nos tempos atuais, correremos o grave risco de um dia, não muito distante, não podermos entrar em sala de aula.
E o mais bizarro de tudo isso é que não faltam pessoas para elogiar o jeitinho brasileiro.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

PSEUDO-REVOLUCIONÁRIO

Syro Cabral de Oliveira

O pseudo-revolucionário pode incorrer em dois erros triviais. O primeiro é em virtude de ele se encontrar dentro do sistema que tem por objeto a pretensão de combatê-lo; o segundo é em virtude de querer combater um sistema que nunca o vivenciou, pois sempre se manteve fora do mesmo. No primeiro caso o pseudo-revolucionário está envolvido no próprio sistema e conseqüentemente não o conhece bem, devido não ter tido a distância necessária para ver seus vícios; e no segundo caso, o pseudo-revolucionário cai em situação semelhante a do primeiro, só que com uma pequena diferença. Se no primeiro caso, o pseudo-revolucionário é um verdadeiro alienado e, portanto o seu discurso é impregnado de vícios, no segundo caso, ele é ignorante no que tange à verdadeira natureza do sistema. Impõe, nesse sentido, um discurso estranho à realidade das coisas.

E é isso mesmo que ocorre com os pretensos ideólogos e descontentes de gabinetes, os quais, lá de suas torres de marfim, querem elaborar sistemas que, às suas vistas, são uma obra de uma colossal perfeição e, portanto atendem aos anseios das massas populares. Só que quando descem de seus pedestais sofrem verdadeira desilusão e logo percebem que não conseguem angariar a simpatia daquelas massas populares e passam a promover mudanças nas suas obras-primas, de modo que, acabam se conscientizando de que estas são inaplicáveis.

Já aquele que sai do seio das massas populares, por razão obvia, não consegue ver com clareza e perceber também os verdadeiros anseios dessas massas populares. Isto por que ele permaneceu o tempo todo entre estas massas e nunca pode afastar para ver e analisar a verdadeira natureza do problema que as aflige. Tanto no primeiro modo como no segundo, o pseudo-revolucionário transita nos extremos. Portanto, é preciso que haja um ponto intermediário. Este ponto deve ser exercido por aquele homem que, por sua natureza e uma iluminação inexplicável, consiga unir o aspecto idealista e político na mesma pessoa e penetrar num e noutro extremos, captar a verdadeira natureza e os anseios dessas massas populares e armar sistemas tão claros como os cristais, como fossem produtos de obras divinas, e, ao mesmo tempo, arrastá-las rumo aos seus ideais.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

DESPERTAR

Syro Cabral de Oliveira


Procurando um caminho que leve o ser humano ao autoconhecimento, resolvemos pensar os problemas cruciais em nosso quotidiano e que de um modo geral passam quase imperceptíveis em nossa vida. E é no pensar nas coisas que estão bem mais próximas de nós e no buscar compreender a sua verdadeira natureza que nos vai permitir ter uma vida mais digna e rica de sentido. Se olharmos atentamente ao nosso redor, vamos perceber que na verdade o homem atual vive num verdadeiro vazio, sem esperança, expectativa etc. A luta, no nosso modo de pensar, seria na direção da tentativa de resgatar os valores perdidos e recolocar o homem no seu lugar próprio, isto é, o ethos, conditio sine qua non da felicidade. Assim, poderíamos indagar: por que o homem não se reencontra consigo mesmo nos dias atuais? Qual o motivo de sua dispersão e conseqüentemente uma vida destituída de sentido? Estas questões, inquietantes e muito pertinentes ao momento atual, pedem esclarecimento. Elas são inerentes a todos os homens atuais do globo terrestre. Se atentarmos para os noticiários da imprensa como um todo, vamos concluir que os seres humanos estão passando por problemas semelhantes em todo planeta terra. Mas o nosso objetivo aqui não é o de enfocar o homem no globo terrestre como um todo, porém privilegiar aqueles que estão bem próximo de nós, isto é, os nossos conterrâneos.

Pois bem, todo saber verdadeiro deveria não estar em hipótese alguma desassociado das coisas. Deveria ser um movimento que acompanha as coisas em sua marcha. Fora disso seria um saber inútil. De nada nos vale conhecer muito sem o saber. Ora, se o conhecimento é o que nos permite ter acesso às coisas e se ficarmos apenas neste âmbito, pouco ou nada valeria o conhecimento. O que nos importa é conhecer e saber. O saber não é outra coisa senão o uso consciente do conhecimento. Não é preciso necessariamente um saber fazer, uma tecné. É preciso saber que sabe. Pouco nos importa saber o que é um parafuso se não soubermos o que fazer com ele. Assim, poderíamos concluir que uma pessoa se sentirá desestimulada, por exemplo, ao aprender cálculos matemáticos, conceitos físicos, fórmulas químicas etc. sem ter plena consciência do seu uso. Nesse sentido, o indivíduo tornar-se-ia um autômato, como um motorista, depois de longo tempo praticando sua atividade, faz as mudanças, por exemplo, da segunda marcha para terceira sem ter plena consciência que marcha ele está usando.

É justamente visando esses problemas que passamos a fazer uma séria reflexão sobre o comportamento dos brasileiros e seu jeitinho. Ora, fazer uma distinção clara entre ética e moral não seria tarefa nada fácil, entretanto seria muito pertinente ao nosso assunto aqui, mas confessamos que isso demandaria muito tempo e espaço, o que não dispomos no momento. Por ora, pretendemos apontar os problemas para executarmos de modo prático em tempo oportuno. O que nos aflige e que vamos mencionar, embora en passant, pois não poderíamos proceder de outro modo, porque vemos esta questão como central, é o problema de ordem moral.

Este problema, em nosso ponto de vista aqui específico, é o cerne, diríamos assim, de todos os males e bem por que passa uma sociedade.

Vejamos. Como poderíamos classificar um ato como moral ou imoral? Poderíamos afirmar com toda justeza que em determinada situação nos sentiríamos como estivéssemos sobre o fio da navalha. Se entendermos a moral como costume, hábito, em outras palavras, uma lei ou uma segunda lei, como querem alguns autores, de um povo, grupo social etc., como poderíamos dizer que determinada ação é moral ou imoral sem levar em conta o agir de um determinado grupo social? Em sentido absoluto ou a partir de um ponto de vista, poderíamos classificar um ato como imoral, mas em sentido relativo, isto é, levando em conta o ponto de vista de uma determinada cultura ou formação técnica etc., este mesmo ato poderia ser classificado como moral. Exemplificando. Como poderíamos classificar o ato do ex-presidente Fernando Collor de Melo como imoral? Como poderíamos classificar a atual incoerência do PT nos seus procedimentos atuais relativamente ao que pregava no passado como um ato imoral? Como poderíamos classificar o desprezo de todo o trabalho ao longo de um ano de um professor, por exemplo, acerca de uma turma cuja pequena parcela dos cerca de 10 por cento dos alunos que não freqüentam assiduamente às aulas e não cumprem com as suas obrigações rigorosamente e depois todos são aprovados em poucos minutos no conselho de classe? Etc., etc. Qual o critério que iríamos adotar para classificar esses atos como imorais, se sabemos que a maioria da população os aceita como inteiramente naturais? Basta observar o conhecido programa que a TV Globo sempre levou ao ar “Você decide” para concluir que quando são mostrados atos claramente de corrupção, mas associados à sobrevivência de uma família ou mesmo quando se aguçam com veemência as emoções, a maioria dos espectadores decide favoravelmente a tais atos. Sem contar obviamente que muitas pessoas inconscientemente querem e se sentem bem de ser convencidas por meio de um discurso belo, mesmo sabendo que não o é verdadeiro em sua plenitude. Sabemos também que no fundo a maioria das pessoas até gostaria de se beneficiar de determinadas situações, só não o faz porque não tem acesso a tais meios. E é em virtude disso que aumenta assustadoramente a criminalidade na sociedade. Pois, uma vez havendo abuso e excesso por parte de quem tem acesso ao mando, os desejos daqueles que não o têm tornam-se frustrados e reprimidos... Mais cedo ou mais tarde haverá a explosão. Essa explosão é obviamente em forma de criminalidade. Como dizíamos alhures, a violência é praticamente invisível, ao passo que a marginalidade é absolutamente visível. Aquela é a causa, esta a conseqüência. Os seres humanos, ao verem seus desejos frustrados em virtude do desmando e do mau uso da coisa pública e se sentindo totalmente alijados e na condição remota de ascenderem a aqueles meios que facultam as benesses, se revoltam e procuram alcançar status idêntico àqueles daquelas pessoas que se locupletam à custa do bem comum só que através de outros meios. Assim, dá para se concluir que muita gente não é corrupta por falta de oportunidade e o PT não agia antes como age hoje não é porque ele mudou, mas obviamente porque não teve oportunidade. Numa sociedade cujos valores morais predominantes carecem de nobreza de caráter, a máxima que diz que “todo homem tem um preço” é absolutamente verdadeira. Nesse sentido, o modo do PT se comportar não poderia ser diferente, porque o partido é constituído dos membros da mesma sociedade de que ele faz parte e, infelizmente, os valores morais predominantes dessa não repousam sobre outra coisa senão na incoerência, na esperteza etc. Os seres humanos, nesse sentido, perdem a referência e os parâmetros de todos os valores positivos e a conseqüência disso sem sombra de dúvida é a desordem e a lei dos mais espertos. Portanto, a lei do vale tudo.

Portanto, poderíamos dizer com segurança que comportamentos desse tipo fazem parte do aspecto cultural desse povo. Qual seria o caminho para mudar esse tipo de atitude, de comportamento? Qual seria o caminho para uma guinada em direção a outros valores? O que devemos fazer para que as pessoas tenham uma nova concepção do mundo? O que devemos fazer para rompermos com os velhos e saturados paradigmas? É justamente isso que vamos propor. O que nós queremos propor na verdade é o despertar para esses tipos de comportamentos, que em sua essência parecem absolutamente normais. E por que isso acontece, isto é, esses tipos de agires se apresentam com o passar do tempo como naturais? E as pessoas costumam dizer: “Afinal de contas, não podemos fazer nada. Sempre foi assim e assim será.”

Nossa pretensão é tentar envolver professores e alunos e conscientizá-los acerca da verdadeira natureza dos problemas, para que cada indivíduo tome distância e os veja de fora, pois, é o permanecer no interior do próprio problema que faz com que acabemos agindo de tal forma sem darmos conta que estamos agindo do mesmo modo que os outros. Se não nos envolvermos e conscientizarmos que na verdade somos vítimas de velhos e bem estruturados paradigmas, permaneceremos na velha e cômoda justificativa de atribuir todos os erros e mazelas por que passa o país sempre ao outro e nunca nos conscientizaremos que também contribuímos e fazemos parte do todo. Nesse sentido, nosso trabalho tem por finalidade última a de estimular no jovem a auto-afirmação e um espírito empreendedor e também a de mostrar que o universo do conhecimento é uno e que sua fragmentação é apenas um recurso didático para facilitar a sua transmissão. No momento em que tivermos a clara visão disso, podemos fazer maior progresso no que tange aos valores humanos. Nesse aspecto, nosso trabalho deverá ser necessariamente um trabalho de ordem interdisciplinar.

É nos conscientizando de nossas próprias ações que vamos compreender claramente o porquê de todos os males que existem quer na política, entendendo esta como o exercício da ética; quer no âmbito ecológico, ou seja, a devastação do meio ambiente, como a destruição das árvores, florestas, o uso egoístico da água etc.; quer na esfera da cidadania, o não cumprimento na íntegra dos nossos deveres e obrigações; quer no campo moral, como, por exemplo, o relacionamento interesseiro entre os indivíduos. É percebendo e nos conscientizando que vamos compreender também com toda nitidez que na maioria das vezes visamos apenas aspectos materiais em nossos relacionamentos com os outros e que é o uso de nossa moral imbuída de valores negativos que contribuem para uma vida sem sentido e sem expectativas. Aceitamos fazer qualquer coisa sem nos conscientizarmos que fazemos parte de um grupo e assim não conseguimos prever com clareza os resultados maléficos de nossas ações nos outros.

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a.Pode-se pensar que estamos fazendo uma crítica demolidora ou estamos contra o PT ou até mesmo contra tudo, o que na verdade é um grande erro, assim como se pensou no passado que Galileu Galilei, no séc. XVII, ao tentar justificar matematicamente a teoria heliocêntrica de Copérnico – o Sol como o centro do Universo e a Terra girando em torno dele -, estivesse contra a Igreja. Na realidade, o que estamos fazendo aqui não é outra coisa senão a constatação dos fatos, condição necessária para o avanço da ciência.