segunda-feira, 14 de setembro de 2009

DESPERTAR

Syro Cabral de Oliveira


Procurando um caminho que leve o ser humano ao autoconhecimento, resolvemos pensar os problemas cruciais em nosso quotidiano e que de um modo geral passam quase imperceptíveis em nossa vida. E é no pensar nas coisas que estão bem mais próximas de nós e no buscar compreender a sua verdadeira natureza que nos vai permitir ter uma vida mais digna e rica de sentido. Se olharmos atentamente ao nosso redor, vamos perceber que na verdade o homem atual vive num verdadeiro vazio, sem esperança, expectativa etc. A luta, no nosso modo de pensar, seria na direção da tentativa de resgatar os valores perdidos e recolocar o homem no seu lugar próprio, isto é, o ethos, conditio sine qua non da felicidade. Assim, poderíamos indagar: por que o homem não se reencontra consigo mesmo nos dias atuais? Qual o motivo de sua dispersão e conseqüentemente uma vida destituída de sentido? Estas questões, inquietantes e muito pertinentes ao momento atual, pedem esclarecimento. Elas são inerentes a todos os homens atuais do globo terrestre. Se atentarmos para os noticiários da imprensa como um todo, vamos concluir que os seres humanos estão passando por problemas semelhantes em todo planeta terra. Mas o nosso objetivo aqui não é o de enfocar o homem no globo terrestre como um todo, porém privilegiar aqueles que estão bem próximo de nós, isto é, os nossos conterrâneos.

Pois bem, todo saber verdadeiro deveria não estar em hipótese alguma desassociado das coisas. Deveria ser um movimento que acompanha as coisas em sua marcha. Fora disso seria um saber inútil. De nada nos vale conhecer muito sem o saber. Ora, se o conhecimento é o que nos permite ter acesso às coisas e se ficarmos apenas neste âmbito, pouco ou nada valeria o conhecimento. O que nos importa é conhecer e saber. O saber não é outra coisa senão o uso consciente do conhecimento. Não é preciso necessariamente um saber fazer, uma tecné. É preciso saber que sabe. Pouco nos importa saber o que é um parafuso se não soubermos o que fazer com ele. Assim, poderíamos concluir que uma pessoa se sentirá desestimulada, por exemplo, ao aprender cálculos matemáticos, conceitos físicos, fórmulas químicas etc. sem ter plena consciência do seu uso. Nesse sentido, o indivíduo tornar-se-ia um autômato, como um motorista, depois de longo tempo praticando sua atividade, faz as mudanças, por exemplo, da segunda marcha para terceira sem ter plena consciência que marcha ele está usando.

É justamente visando esses problemas que passamos a fazer uma séria reflexão sobre o comportamento dos brasileiros e seu jeitinho. Ora, fazer uma distinção clara entre ética e moral não seria tarefa nada fácil, entretanto seria muito pertinente ao nosso assunto aqui, mas confessamos que isso demandaria muito tempo e espaço, o que não dispomos no momento. Por ora, pretendemos apontar os problemas para executarmos de modo prático em tempo oportuno. O que nos aflige e que vamos mencionar, embora en passant, pois não poderíamos proceder de outro modo, porque vemos esta questão como central, é o problema de ordem moral.

Este problema, em nosso ponto de vista aqui específico, é o cerne, diríamos assim, de todos os males e bem por que passa uma sociedade.

Vejamos. Como poderíamos classificar um ato como moral ou imoral? Poderíamos afirmar com toda justeza que em determinada situação nos sentiríamos como estivéssemos sobre o fio da navalha. Se entendermos a moral como costume, hábito, em outras palavras, uma lei ou uma segunda lei, como querem alguns autores, de um povo, grupo social etc., como poderíamos dizer que determinada ação é moral ou imoral sem levar em conta o agir de um determinado grupo social? Em sentido absoluto ou a partir de um ponto de vista, poderíamos classificar um ato como imoral, mas em sentido relativo, isto é, levando em conta o ponto de vista de uma determinada cultura ou formação técnica etc., este mesmo ato poderia ser classificado como moral. Exemplificando. Como poderíamos classificar o ato do ex-presidente Fernando Collor de Melo como imoral? Como poderíamos classificar a atual incoerência do PT nos seus procedimentos atuais relativamente ao que pregava no passado como um ato imoral? Como poderíamos classificar o desprezo de todo o trabalho ao longo de um ano de um professor, por exemplo, acerca de uma turma cuja pequena parcela dos cerca de 10 por cento dos alunos que não freqüentam assiduamente às aulas e não cumprem com as suas obrigações rigorosamente e depois todos são aprovados em poucos minutos no conselho de classe? Etc., etc. Qual o critério que iríamos adotar para classificar esses atos como imorais, se sabemos que a maioria da população os aceita como inteiramente naturais? Basta observar o conhecido programa que a TV Globo sempre levou ao ar “Você decide” para concluir que quando são mostrados atos claramente de corrupção, mas associados à sobrevivência de uma família ou mesmo quando se aguçam com veemência as emoções, a maioria dos espectadores decide favoravelmente a tais atos. Sem contar obviamente que muitas pessoas inconscientemente querem e se sentem bem de ser convencidas por meio de um discurso belo, mesmo sabendo que não o é verdadeiro em sua plenitude. Sabemos também que no fundo a maioria das pessoas até gostaria de se beneficiar de determinadas situações, só não o faz porque não tem acesso a tais meios. E é em virtude disso que aumenta assustadoramente a criminalidade na sociedade. Pois, uma vez havendo abuso e excesso por parte de quem tem acesso ao mando, os desejos daqueles que não o têm tornam-se frustrados e reprimidos... Mais cedo ou mais tarde haverá a explosão. Essa explosão é obviamente em forma de criminalidade. Como dizíamos alhures, a violência é praticamente invisível, ao passo que a marginalidade é absolutamente visível. Aquela é a causa, esta a conseqüência. Os seres humanos, ao verem seus desejos frustrados em virtude do desmando e do mau uso da coisa pública e se sentindo totalmente alijados e na condição remota de ascenderem a aqueles meios que facultam as benesses, se revoltam e procuram alcançar status idêntico àqueles daquelas pessoas que se locupletam à custa do bem comum só que através de outros meios. Assim, dá para se concluir que muita gente não é corrupta por falta de oportunidade e o PT não agia antes como age hoje não é porque ele mudou, mas obviamente porque não teve oportunidade. Numa sociedade cujos valores morais predominantes carecem de nobreza de caráter, a máxima que diz que “todo homem tem um preço” é absolutamente verdadeira. Nesse sentido, o modo do PT se comportar não poderia ser diferente, porque o partido é constituído dos membros da mesma sociedade de que ele faz parte e, infelizmente, os valores morais predominantes dessa não repousam sobre outra coisa senão na incoerência, na esperteza etc. Os seres humanos, nesse sentido, perdem a referência e os parâmetros de todos os valores positivos e a conseqüência disso sem sombra de dúvida é a desordem e a lei dos mais espertos. Portanto, a lei do vale tudo.

Portanto, poderíamos dizer com segurança que comportamentos desse tipo fazem parte do aspecto cultural desse povo. Qual seria o caminho para mudar esse tipo de atitude, de comportamento? Qual seria o caminho para uma guinada em direção a outros valores? O que devemos fazer para que as pessoas tenham uma nova concepção do mundo? O que devemos fazer para rompermos com os velhos e saturados paradigmas? É justamente isso que vamos propor. O que nós queremos propor na verdade é o despertar para esses tipos de comportamentos, que em sua essência parecem absolutamente normais. E por que isso acontece, isto é, esses tipos de agires se apresentam com o passar do tempo como naturais? E as pessoas costumam dizer: “Afinal de contas, não podemos fazer nada. Sempre foi assim e assim será.”

Nossa pretensão é tentar envolver professores e alunos e conscientizá-los acerca da verdadeira natureza dos problemas, para que cada indivíduo tome distância e os veja de fora, pois, é o permanecer no interior do próprio problema que faz com que acabemos agindo de tal forma sem darmos conta que estamos agindo do mesmo modo que os outros. Se não nos envolvermos e conscientizarmos que na verdade somos vítimas de velhos e bem estruturados paradigmas, permaneceremos na velha e cômoda justificativa de atribuir todos os erros e mazelas por que passa o país sempre ao outro e nunca nos conscientizaremos que também contribuímos e fazemos parte do todo. Nesse sentido, nosso trabalho tem por finalidade última a de estimular no jovem a auto-afirmação e um espírito empreendedor e também a de mostrar que o universo do conhecimento é uno e que sua fragmentação é apenas um recurso didático para facilitar a sua transmissão. No momento em que tivermos a clara visão disso, podemos fazer maior progresso no que tange aos valores humanos. Nesse aspecto, nosso trabalho deverá ser necessariamente um trabalho de ordem interdisciplinar.

É nos conscientizando de nossas próprias ações que vamos compreender claramente o porquê de todos os males que existem quer na política, entendendo esta como o exercício da ética; quer no âmbito ecológico, ou seja, a devastação do meio ambiente, como a destruição das árvores, florestas, o uso egoístico da água etc.; quer na esfera da cidadania, o não cumprimento na íntegra dos nossos deveres e obrigações; quer no campo moral, como, por exemplo, o relacionamento interesseiro entre os indivíduos. É percebendo e nos conscientizando que vamos compreender também com toda nitidez que na maioria das vezes visamos apenas aspectos materiais em nossos relacionamentos com os outros e que é o uso de nossa moral imbuída de valores negativos que contribuem para uma vida sem sentido e sem expectativas. Aceitamos fazer qualquer coisa sem nos conscientizarmos que fazemos parte de um grupo e assim não conseguimos prever com clareza os resultados maléficos de nossas ações nos outros.

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a.Pode-se pensar que estamos fazendo uma crítica demolidora ou estamos contra o PT ou até mesmo contra tudo, o que na verdade é um grande erro, assim como se pensou no passado que Galileu Galilei, no séc. XVII, ao tentar justificar matematicamente a teoria heliocêntrica de Copérnico – o Sol como o centro do Universo e a Terra girando em torno dele -, estivesse contra a Igreja. Na realidade, o que estamos fazendo aqui não é outra coisa senão a constatação dos fatos, condição necessária para o avanço da ciência.