Syro Cabral de Oliveira
Hegel, em
seu sistema filosófico, mostra que o homem se desenvolve dentro de
um processo histórico. Sua consciência evolui, passando assim por
vários níveis, até alcançar o mais alto estágio. Na verdade, o
que há é uma historicidade do homem. Nesse sentido, o pensamento
hegeliano, na Fenomenologia do espírito,
desdobra-se em três momentos fundamentais: Consciência,
Autoconsciência e Razão.
O primeiro momento é caracterizado como um momento de uma
consciência ingênua, onde ainda não há distinção entre o homem
e as coisas. O homem, neste momento, é meramente contemplativo e sua
consciência se revela num sentido exterior, pois ainda se encontra
numa fase de grande confusão entre o sujeito e o objeto. Aqui, o
sujeito é absorvido pelo objeto. Não há separação e, portanto,
não a havendo, esta fase inicia-se no Absoluto.
O segundo momento é caracterizado pela autoconsciência. Aqui,
estamos no reino da contradição. O homem, por exemplo, tem
consciência de si e do outro. Portanto, há duas consciências em
confronto, uma querendo dominar a outra. Neste momento começa a
luta. Duas consciências em luta, uma terá que ser necessariamente
vencida, mas aquela que for vencida, não pode ser aniquilada, apenas
negada, pois a consciência vencedora necessita do reconhecimento por
parte daquela que foi vencida.
E
finalmente, temos a Razão, a qual é o homem em-si
e para-si.
É neste momento que “o pensamento humano vai dizer o que é o
Mundo e a vida, mas vai dizê-lo racionalmente”.
Mas é bom notar que no primeiro momento, o qual representa a
consciência, há uma fase de desejo apenas a nível animal. O homem
deseja uma fruta para satisfazer uma necessidade fisiológica, isto
é, alimentar-se. Neste sentido, estamos diante de um primeiro
desejo, isto é, “um desejo sensual: o desejo de comer”, por
exemplo. Aqui, o homem procura suprimir ou transformar o objeto,
assimilando-o.
Mas o desejo meramante a nível de satisfazer uma necessidade
fisiológica é incompleto. O homem, por exemplo, come uma fruta,
come outra e outra e o desejo só é satisfeito momentaneamente. O
desejo é satisfeito momentaneamente porque estamos em outra esfera,
ou seja, na esfera do desejo humano e não mais animal. O desejo
agora constitui em desejo humano. Portanto, é aí que se dá o outro
nível da consciência, quer dizer, a autoconsciência. É neste
reino que há o confronto. Em primeiro lugar, o confronto se dá
porque o desejo do homem não é mais um desejo natural. Dois desejos
não-naturais entram em luta, porque ambos querem dominar e, nessa
luta, tem que sair necessariamente um vencedor. Em segundo lugar, o
homem deseja o Absoluto e, ao desejar o Absoluto, seu desejo torna-se
irrealizável. Irrealizável porque o homem é finito e o Absoluto é
infinito.
Partindo desses pressupostos, percebe-se que o pensamento hegeliano
identifica a realidade como um processo dinâmico e não algo
estático, como querem alguns filósofos do passado. É aí,
portanto, que o pensamento dialético ganha dimensão. Hegel vê, de
maneira clara, que é no reino das contradições que o processo
dialético encontra suas bases. Assim ele conclui que a dialética é
a lei da realidade e que qualquer coisa se funda no seu contrário,
como, por exemplo, o que fundamenta o Criador é a criatura.
Ao contrário dos antigos, os quais achavam que a dialética se
fundamentava numa dicotomia, a dialética hegeliana repousa numa
tricotomia e ainda mais, a dialética, para Hegel, é um processo que
evolui historicamente num movimento ascendente em busca de uma
Perfeição. Este processo se perfaz através de três momentos:
afirmação, negação e negação da negação, o que equivale a
dizer: tese, antítese e síntese, respectivamente. Pensamos que não
há exemplo melhor do que citar o próprio Hegel:
O
botão desaparece no desabrochar da flor e pode-se dizer que é
refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto
como um falso existir da planta e o fruto surge em lugar da flor
como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem, mas
se repelem como incompatíveis entre si. Mas sua natureza fluida as
torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica na qual não
somente não entram em conflito, mas uma existe tão
necessariamente quanto a outra; e é unicamente essa igual
necessidade que constitui a vida do todo. (Hegel,
prefácio da Fenomenologia
do espírito).
É bom notar que Hegel mostra neste exemplo que os momentos de
refutação fazem parte de um todo, sua “natureza fluida”
constitui simultaneamente “uma unidade orgânica na qual não
somente não entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente
quanto a outra”.
Assim,
parece-nos que fica evidente que o Absoluto é o mesmo que a
realidade total, isto é, uma totalidade que reúne em si própria as
diferenças e as contradições. Há no seio da natureza passagem de
um oposto a outro, mas de modo que haja uma harmonia. Assim, escreve
Hegel n'A Ciência da lógica:
“O verdadeiro é o todo” e continua: “o todo é igual às
partes e as partes são iguais ao todo. Não há nada no todo que não
se encontra nas partes e nada nas partes que não se encontra no
todo. O todo não é uma unidade abstrata, mas a unidade duma
diversidade multiforme”.
Portanto, os opostos, em Hegel, têm que coexistir para que haja
uma espécie de reconhecimento na luta exercida no interior da
realidade. “O verdadeiro é o todo” porque não podem existir as
partes isoladas, como, por exemplo, o pai não pode existir se não
há pelo menos um filho, nem se pode falar em justiça se não há
injustiça.