quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ORIGEM DA CRIMINALIDADE

Syro Cabral de Oliveira

Origem da Criminalidade O problema da criminalidade não passa pela falta de policiamento, como querem fazer crer os nossos políticos. A verdadeira causa é, evidentemente, de outra natureza. Infelizmente, os nossos governantes sabem disso, mas não querem resolver por conveniências próprias. É que uma vez solucionado o problema, eles não terão mais a velha e poderosa plataforma de campanha política.


O problema, na realidade, é de natureza moral. E este problema só pode ser resolvido mediante um processo educativo sério e criterioso. Não há outro caminho senão esse. As escolas, ultimamente, em todas as esferas, quer municipal, quer estadual, quer federal, visam um só objetivo, isto é, o de fazer com que o aluno apenas passe por elas, sem que modifique em nada seu modo de pensar e ver o mundo.

Analisando com maior profundidade e tentando desvelar seu ponto original, vamos concluir que todas as mazelas de nossa sociedade convergem para um único ponto, ou seja, o abandono desmedido, ao longo do tempo, do patrimônio mais valioso de uma nação, isto é, seu povo. O povo brasileiro foi lançado, por meio de um trabalho bem delineado, a um pântano, para depois se apresentarem a ele os salvadores, os cristos. Na realidade, construíram o pântano e ao mesmo tempo a corda de salvação. Lança-se o indivíduo ao pântano e logo a seguir a corda com o propósito de tirá-lo, sempre com o cuidado de manter o pântano intacto. Usam todos os meios também para não permitir que o indivíduo sequer cogite em fiar a corda, pois assim mantêm-no na dependência.

Daí, dá para perceber a razão de investirem alto nesses tão propalados modelos de educação em voga em nossos dias. Falam, com desenvoltura, em promoção continuada e em coisas do gênero. O mais doloroso de tudo isso é que há muitos teóricos da educação que, em essência, são verdadeiros incautos que no fundo os ajudam a alavancar seus famigerados projetos. Seus erros residem exatamente nisso. Eles se perdem em conceitos gerais, dessa forma distanciando-se da realidade última das coisas (no caso em questão, a massa dos jovens no período de ingressar no sistema educacional)(1). O bom teórico é aquele que é capaz de compreender a essência dos conceitos gerais e a realidade quotidiana da massa humana que se encontra no período escolar, a qual está propensa a receber os valores morais estipulados há séculos. Mas, normalmente, aqueles teóricos são, sem escrúpulo, os verdadeiros alienados, pois vivem sempre a vagar acima dos elementos fundantes do objeto de sua investigação. Não percebem, com nitidez, que subjaz nesses projetos um propósito de segunda intenção, o qual tem por fim assegurar de antemão um estado de coisas: o resultado que visam, de um certo modo já existe e se encontra de maneira ardilosa na sua própria estruturação. É como a velha sapiência dos astuciosos que quando fazem uma pergunta já têm a resposta embutida por antecipação. A pergunta funciona, na realidade, apenas para confirmar o que já se queria. Isso deixa claro que essa gente aprendeu bem a lição de Sócrates. Não houve ninguém na história do saber melhor do que Sócrates no uso do método indutivo. Essa foi uma velha prática - do nosso filósofo - a de caçar o objeto que já possui por antecipação.

Mas para chegar a isso, os defensores do atual modelo ideológico elaboraram, durante alguns anos, um sistema perfeito para atender, ou melhor, sustentar seus métodos astuciosos. Ora, ouvimos quase que uma voz uníssona em todos os veículos de comunicação que a natureza de nossos problemas reside na falta de hospital, presídio, moradia etc. Não há nada mais falso que isso. Não adianta construirmos uma cidade inteira, por exemplo, de presídios, se todos os anos lança-se nas ruas um número assustador de semimarginais, para não dizer marginais. Nesse caso, construir presídio é análogo à história de puxar água, com o rodo, que está entrando por um buraco em minha casa. O mais sensato seria fechar o buraco para depois fazer a limpeza da casa. O mesmo, naturalmente, aplica-se ao caso dos presídios. Em primeiro lugar, devemos investir maciçamente na educação(2), para com isso evitar a construção de monstruosos presídios destinados à segurança. Até porque, quando se pesa bem as coisas, percebe-se com clareza que fica bem mais caro construir presídios que investimento maciço em educação. A construção de presídios, como é do conhecimento de todos, implica manutenção, ampliação do número de policiais etc., sem contar evidentemente, quando se volta para esse tipo de investimento ao arrepio das coisas, os próprios policiais tornar-se-ão pessoas propensas à corrupção, à negligência e coisas do gênero.

O bom policial é aquele que conhece perfeitamente a arte da criminalidade, e o bom bandido é aquele que por seu turno conhece também a atividade policial. O que não pode ocorrer é o primeiro se deixar levar pela atividade do segundo, do mesmo modo que o segundo não se deixa levar pela atividade do primeiro. Essa aliança só ocorre quando o policial se encontra à margem de sua função. Nesse sentido, o bandido está muito mais fiel às normas de sua atividade do que o policial. Assim, dá para perceber que o policial está numa linha entre a marginalidade e a legalidade. Sabemos que o que sempre predomina em qualquer circunstância é aquilo que se dá em maior quantidade. Se o policial tende para o outro lado, isso significa dizer que a marginalidade ocupa um lugar de maior destaque no seio da sociedade. E isso fica bem evidenciado quando ouvimos as notícias veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Os veículos de comunicação em sua totalidade fazem a apologia do crime. E essa prática, em hipótese alguma, está em contradição com o princípio norteador da comunicação social, pois os teóricos da comunicação costumam dizer que a função da imprensa não é a de criar tendências, mas sim reforçá-las. Partindo dessa tese, podemos concluir que nossa sociedade está por inteira contaminada pelo vírus da criminalidade, já que a imprensa só reforça as tendências já existentes. E tudo isso é muito visível, não somente nos programas jornalísticos, como também em todas as produções televisivas, tais como as novelas, seriados etc. Daí se conclui que a educação é a base de tudo. É ela, quando levada a sério, que formará o caráter do homem. O homem não se corrompe porque tem um baixo salário, pois se isso fosse verdade, o juiz Nicolau dos Santos Neto, Paulo César Farias e outros do passado e atualmente no poder não se corromperiam. E mais uma vez fica evidenciado que a questão da corrupção é de natureza intrínseca aos valores morais. E valores morais são coisas que se adquirem, portanto, passivos de serem ensinados. Se os homens não os possuem é porque não foram ensinados.

A máxima, tão propalada por muitos, que sustenta que "todo homem tem seu preço" só pode ser verdadeira em situação peculiar. Numa sociedade em que predominam valores negativos (imorais) e a "lei" dos mais espertos, há homens que se corrompem por um preço menor e outros por um preço maior. Evidentemente, isso varia de acordo com a situação financeira de cada um, ou melhor, os bens materiais que cada um possui. Quem possui mais exigirá mais. Os homens, na verdade, devem possuir muitos bens, mas não devemos perder de vista que seus bens principais devem ser de natureza intrínseca a eles mesmos. Esses bens devem ter fim em si mesmos para que não se tornem meios para atingir um fim exterior com o intuito de atender a suas vaidades pessoais. E assim como os bens que são intrínsecos, espirituais e fins em si mesmos não devem converter-se em meios, também os bens extrínsecos, materiais e que são meios não devem converter-se em fins. Numa sociedade, cujos valores predominantes são os positivos, portanto, possuidora de bens espirituais, sequer seus membros pensarão em se vender por bens extrínsecos a si mesmos, até porque esses lhes parecem estranhos.

Eis a razão do aumento assustador da violência nas sociedades mais novas. Seria de bom alvitre atentar para esse termo violência. Costuma-se usá-lo freqüentemente como sinônimo de criminalidade, ou, até mesmo, marginalidade. Ora, na realidade, a criminalidade é uma conseqüência da violência. Não pode haver uma sociedade com índice alto de criminalidade se não houver violência. A palavra violência pode ter sua origem em dois termos gregos: Bia e Hybris; o primeiro significando força ou força vital, que está mais próximo do nosso significado; o segundo pode significar tudo aquilo que ultrapassa a medida, excesso, desmedida. Essa última acepção é, na verdade, a mais apropriada, pois, está nela embutido o aspecto ético. O homem, nesse caso, deixa seu lugar próprio, sua morada, sua medida, para ir além. Esse além significa que ele saiu do seu lugar próprio, distanciando assim da verdadeira natureza humana. Nesse sentido, ele causa nos outros homens inveja, ira, ódio etc., o que naturalmente irá explodir de modo visível. Se a violência se dá de modo quase invisível, a criminalidade dar-se-á de modo totalmente visível. Em outras palavras, a explosão de sentimento contido em função do uso inadequado do poder por parte de quem o exerce.

A violência, em seu sentido rigoroso, não é nada mais nada menos do que a ausência de justiça. E a ausência de justiça não pode deixar de ser, em todos os sentidos, o elemento causador número um de indignação, furor, ira etc. nas pessoas do povo, pois as pessoas comuns agem instintivamente de modo desagregado e só se agregam em casos extremamente excepcionais. Elas, portanto, sentem-se indefesas e em virtude disso passam a rogar por justiça. Uma vez seus rogos não sendo atendidos por parte daqueles que as representam, os sentimentos de ódio, furor, ira etc. aumentam e, consequentemente, serão expurgados de alguma forma. Assim sendo, fica fácil compreender que a criminalidade não deixa de ser, de fato, uma conseqüência da violência, a qual tem sua origem nos grupos de pessoas que exercem o poder em determinada sociedade. E essas pessoas que o exercem - cuja determinação correta para tal função deveria ser política, entendendo esta como exercício da ética - deveriam não só praticar as suas ações em conformidade com os valores morais como também zelar por eles. Infelizmente, os seus métodos são, de um modo geral, incompatíveis com essas virtudes, pois, eles lutam o tempo todo para alcançar o poder com o intuito de locupletarem e exercerem-no egoísticamente. Isso é tão estranho à política como a humildade ao sábio. Na verdade, o verdadeiro político é aquele indivíduo que, imbuído de qualidades morais, sacrifica a si mesmo em prol da comunidade.

Daí se conclui que, para alterar o atual estado de coisas, urgiria tomar medidas radicais que, num futuro não longínquo, viriam surtir efeitos. Essas medidas deveriam todas, sem exceção, convergir para um só ponto, ou seja, para a natureza humana. Portanto, tem que se investir maciçamente na formação do caráter do homem e guiá-lo sempre em direção das grandes coisas próprias à natureza humana, tais como grandeza de alma, elevação de espírito etc. Um trabalho dessa natureza, quando feito de maneira sistemática, fará com que tão logo a juventude adquira uma nova concepção de mundo e passe a compreender que ela própria é co-responsável não só pelo atual estado de coisas, como também pela sua alteração para um mundo melhor e mais justo. Além disso, compreende também que seus dirigentes são um produto da sociedade, da qual essa mesma juventude é o elemento básico de sua formação e, se os seus dirigentes possuem o germe da corrupção é porque a própria sociedade é corrupta. E isso fica bem evidenciado no seguinte raciocínio: do mesmo modo que uma certa porção de água não contaminada, ao entrar em contato com águas impuras, se contaminará, um indivíduo honesto se desviará da sua retidão ao se misturar com homens de baixo valor moral. Isto porque, os homens honestos, de um modo geral, são representados, numa determinada sociedade, por uma quantidade bem exígua, ao passo que, o seu oposto é bem mais numeroso. Nesse sentido, aqueles devem estar sempre vigilantes para que não sejam influenciados por estes, pois, como é do conhecimento de todos, o maior – seja falando numericamente, seja em vício ou em outra coisa qualquer – sempre sobrepujará o menor – quer em quantidade, quer em elevação espiritual ou em outra coisa qualquer.

Os homens retos não só devem recusar qualquer convite ou vantagens fascinantes para tomar parte das facções corroídas, como também procurar, a todo custo, não se deixar seduzir pelos cantos melodiosos das sereias. O herói Ulisses (HOMERO. Odisséia), embora astucioso, não deixou de se precaver diante da tentação que iria aparecer em seu caminho. Ele não só tapou os ouvidos dos tripulantes com cera, como também se amarrou ao mastro da embarcação e os recomendou a não cederem à sua aflição e o livrarem das amarras. Ulisses tinha certeza, de antemão, que o canto das sereias era sedutor e a não precaução implicaria necessariamente um desastre sem precedente, uma vez não poder mudar de rota.


(1) Infelizmente, é assim mesmo que procedem os nossos pedagogos. Eles se colocam num nível elevado, semelhante a uma torre de marfim, e querem teorizar com certa desenvoltura sobre a educação sem ao menos dominar com precisão os conceitos gerais. Ficam girando em torno do objeto de sua investigação, num processo apodíctico, sem nada acrescentar e nem conseguem dizer algo de verdadeiro sobre a sua natureza última.
(2) É como já dizia o grego Pitágoras de Samos, no século VI a.C.: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens.” Isto, sem mencionar, também, que os progressos materiais de uma nação dependem necessariamente dos espirituais e que é um grande erro pensar que o poderio econômico sobrepuja os valores espirituais de um povo. Ademais, é bom observar ainda, com o mesmo vigor, que uma boa saúde depende diretamente de uma boa educação. Os hábitos alimentares são decisivos para uma saúde perfeita.