Syro Cabral de Oliveira
A nossa intenção, a princípio,
foi em dar uma nota de rodapé acerca do termo discurso
original,
que frequentemente mencionamos em nossos textos, mas logo em seguida
mudamos de ideia e preferimos escrever um texto em vez de
continuarmos com a primeira decisão.
Quando falamos de discurso
primário ou original queremos, com efeito, nos referir acerca das
ondas de discursos que partem de uma fonte única e inteiramente
desconhecida, que tomam conta do espaço, no noticiário, dos
veículos de comunicação de massa, por um bom período de tempo.
No momento vigente, estamos
presenciando um discurso cujo fundo é o tema saúde. Na sua
vanguarda, aparecem personagens que têm por objetivo exclusivo de
proliferá-lo e disseminá-lo a exaustão. Alguns desses personagens
não são tão abrangentes, universais, tal como o diretor-geral da
Organização Mundial da Saúde – OMS –, Tedros Adhanom
Ghebreyesus. Há outros ainda que são estritamente de caráter
local, como figuras do tipo do ex-ministro da saúde, Luiz Henrique
Mandetta, que se comunica diretamente com as massas de sua própria
língua.
Essas ondas de discursos são
temporárias e sazonais e nem poderiam ter duração muito longa,
porque se desgastariam e logo perderiam sua credibilidade. Seu
objetivo é causar impacto, muito barulho e confundir a opinião das
pessoas de um modo geral e desviar sua atenção dos problemas
maiores. Têm que ser rápido, pois, do contrário, as pessoas
perceberiam seus truques e suas verdadeiras intenções.
Não vai tardar muito, ao
aproximar-se o período da estiagem e, em seguida, o das queimadas –
incêndios florestais –, os referidos veículos de comunicação
retomarão o discurso paranoico dos ecologistas de plantão. Assim,
essas ondas de discursos vão se revezando, sem que as pessoas sequer
percebam que há grandes interesses bem determinados por trás das
fontes poderosas do capital internacional, que financiam e contornam
o modo de pensar das pessoas.
Secas, tsunamis, chuvas
torrenciais, furacões, vulcões são fenômenos da natureza, que
ocorrem periodicamente e que, no passado, eram considerados
divindades, devido a sua força incontrolável pelo homem.
Entretanto, não há nenhum esforço, por parte dos governantes, que
objetive esclarecer e conscientizar as pessoas, através de uma boa
educação, acerca da natureza desses fenômenos e também das suas
periodicidades. O que se objetiva mesmo é eleger responsáveis pelos
danos causados por tais fenômenos, como se a causa das secas, por
exemplo, fosse, de fato, o desmatamento.
Na Idade Moderna, com o avanço
das ciências, o homem passou a pensar que o objetivo da Ciência era
o de dominar a natureza. No entanto, mesmo diante do grande poder
científico e financeiro dos Estados Unidos da América do Norte e do
Japão, estes países não conseguem dominar os furacões e tsunamis,
respectivamente.
Ocultamente, os representantes
do grande capital financeiro internacional, nos bastidores, se
articulam e financiam propagadores dos acontecimentos naturais e não
naturais que ocorrem periodicamente – tais como pandemias, secas,
furacões, ameaças de guerras etc. – e incitam-nos a dar-lhes uma
dimensão descomunal, causando apreensão, insegurança, temor,
angústia nas pessoas, com o único intuito de desviar a atenção
dos telespectadores e, silenciosamente, realizarem seus mirabolantes
projetos, sem que as populações mundiais deem conta das suas
verdadeiras intenções. Assim sendo, eles vão se firmando e
fortalecendo sua hegemonia no âmbito mundial, tal como a da China da
atualidade e a de todos os gigantes da informática e dos fabricantes
de equipamentos eletrônicos. Nesse sentido, recrutam pessoas certas
para os lugares certos, sempre usando de dissimulação para dar um
ar de que tudo ocorreu naturalmente. O atual diretor-geral da OMS se
apresenta como uma figura central e possuidora de grande autoridade a
respeito dos assuntos relacionados à saúde. Para tanto, ele se
apoia no discurso científico. Discurso este que se tornou
inquestionável, pois as ciências são a autoridade máxima, a deusa
e, obviamente, o que uma deusa dita, não se pode questionar, como já
fizemos referência em nosso texto Pseudo
princípio de autoridade e complexo de rotulação.
A partir do discurso do
Ghebreyesus, vários outros discursos são disseminados e propagados
em alta velocidade. Entretanto, essas pessoas, que são escolhidas
para fazer parte dessa cadeia de discursos, não estão ali por
acaso. Elas se encontram ali, porque, de certo modo, possuem um
talento especial para tal. Mesmo falando em inglês e poucas pessoas
entendendo a fala do diretor-geral da OMS, a maioria das pessoas
sente prazer em ouvi-lo, simplesmente, porque seu discurso é musical
e causa prazer aos ouvidos e apazígua a alma. Dessa forma, também,
é o que passa com o senhor Mandetta. Seu objetivo maior, fica claro
pelo seu tom de voz, é mesmo surfar na crista das ondas dos
discursos. Assim sendo, seu discurso é vazio de conteúdo, mas é
inteiramente estribado na retórica e, além disso, é inebriante,
altamente musical e aveludado, sem nenhum objetivo definido.
O discurso retórico, em si, não
precisa ter conteúdo, basta ser agradável. É como uma letra de uma
determinada música, que consiste apenas em uma única frase, mas,
mesmo assim, quando cantada, seduz inteiramente seus ouvintes.
Existe para cada pessoa um dom
especial. Não adianta tentar-se ser cantor sem que existam, de
antemão, qualidades que proporcionem a realização de tal
tentativa. Na fábula A
lamentação do pavão,
um pavão lamentou-se a deusa Hera por não possuir uma voz tão
suave como a do rouxinol, dizendo que “seus gritos causam horror a
toda gente”. Hera disse que o rouxinol tem sua bela voz, mas que o
pavão possui beleza e majestade. Entretanto, o pavão replicou,
dizendo “de que serve a minha beleza, se outro pássaro tem uma voz
mais bela?” Hera “mandou o pavão embora, dizendo-lhe que cada
criatura recebeu um talento especial. Tu recebeste a beleza, a águia
tem força, o rouxinol tem uma voz melodiosa, o papagaio fala e a
pomba tem sua inocência. Cada um tem de contentar-se com as suas
qualidades e, se não queres continuar a sentir-te infeliz, é o que
tens de fazer.”
É preciso que as pessoas
aprendam a valorizar-se a si mesmas, pois, do contrário, levarão
uma vida sem sentido, sem perspectiva e inteiramente melancólica,
vagando, por esse mundo afora, sem rumo. Desde cedo, devemos procurar
nos conhecer e nos vermos, através de uma espécie de espelho, quem
somos e procurarmos descobrir quais são os nossos verdadeiros
talentos. Esses homens, que falam com desenvoltura e arrebanham
grandes multidões, não têm em vista, normalmente, o bem alheio,
mas, quase sempre, eles procuram preencher o vazio do seu ego. Eles
investem, desde uma tenra idade, nas tendências que se afloram em
seu agir quotidiano. A frase socrática “Conhece-te a ti mesmo”,
parece-nos muito pertinente em relação a esse contexto. Assim, para
que se represente um papel de um ato de loucura, com o máximo de
realismo, no teatro, não há nada mais acertado do que contratar um
ator que se manifeste tendências à loucura. Não devemos jamais ser
fingidos, mas sempre devemos ser realmente o que somos. A nossa
espontaneidade é, certamente, uma virtude.
É preciso que não percamos
tempo com coisas fúteis e alheias a nós. Há pessoas que perdem
mais tempo, em toda sua vida, em preocupar-se com a vida das outras
pessoas do que se ocupar propriamente consigo mesmas. É como diz
Cioran, em seu livrinho História
e
utopia,
“Detestamos aqueles que 'escolheram'
viver na mesma época que nós, que correm a nosso lado, que entravam
nossos passos ou nos deixam para trás. Em termos mais claros: todo
contemporâneo é odioso. Conformamo-nos com a superioridade de um
morto, jamais com a de um vivo, cuja simples existência constitui
para nós uma censura e uma acusação, um convite às vertigens da
modéstia. Que tantos semelhantes nos ultrapassem é uma evidência
intolerável que esquivamos nos arrogando, por uma astúcia
instintiva ou desesperada, todos os talentos e atribuindo-nos a
vantagem de ser únicos. Sufocamos perto de nossos êmulos ou nossos
modelos: que alívio diante de suas tumbas! O próprio discípulo só
respira e se emancipa com a morte do mestre. Todos nós, enquanto
existimos, invocamos com nossos desejos a ruína daqueles que nos
eclipsam com seus dons, com seus trabalhos ou com suas façanhas, e
esperamos ansiosamente, com avidez, seus últimos momentos. Alguém
se eleva, em nosso setor, acima de nós e é razão suficiente para
que desejamos nos ver livres dele: como perdoar-lhe a admiração que
nos inspira, o culto secreto e doloroso que lhe consagramos? Que
desapareça, que se afaste, que morra enfim, para que possamos
venerá-lo sem dilaceramento, sem amargor, para que cesse nosso
martírio!”
Para cada pessoa, há um papel
específico e bem definido. E é isso que os mandatários procuram
ver em cada pessoa que vai ser designada para ocupar um determinado
cargo. O diretor-geral da OMS não ocupa esse cargo por acaso. Ele
apresenta, de antemão, as qualidades certas para ser o porta-voz de
um discurso totalmente bem elaborado por um grupo, que poderíamos
dizer assim que, ocultamente, governa o mundo. Os âncoras,
jornalistas, repórteres etc. são seus porta-vozes. Ou seja, são os
profissionais, cheios de vaidade, que inflam o peito – à
semelhança das Musas, exortadas pelo grande Zeus, imbuído de poder
e portador da égide, a exaltarem as glórias dos deuses –,
proliferam e disseminam as ideias que interessam ao grupo do capital
dominante. Platão, no Íon,
533d, apresenta também semelhante ideia, através da pedra
magnética. Pedra esta que “não somente atrai os anéis de ferro,
mas lhes comunica a virtude de produzir o mesmo efeito e atrair
outros anéis, de sorte que se vê algumas vezes uma longa cadeia de
pedaços de ferro e de anéis suspensos uns aos outros, que todos
tomam emprestado sua virtude desta pedra. De igual modo, a Musa, por
si mesma, inspira o poeta, este comunica aos outros a inspiração e
se forma uma cadeia inspirada”, que segue a seguinte ordem: Musas
inspiradoras inspiram o poeta, que inspira o ator, que inspira o
espectador.
A vida é um verdadeiro teatro.
Brasília, a Casa Branca, nos Estados Unidos da América do Norte, a
Casa Rosada, na Argentina etc., por exemplo, são o palco. Os
políticos, eleitos pelo povo, são os atores. O povo, em sua
totalidade, é o espectador. Os deputados, os senadores, os ministros
e os presidentes das Repúblicas se contracenam diariamente entre si.
Muitas vezes, se fingem de opositores, mas nos bastidores estão
todos unidos, entre afagos e gargalhadas, ao comentarem as suas
façanhas ao longo de cada dia.
Muitas vezes, é no momento de
um barulho intenso que o nosso sono, ironicamente, se torna pesado e
letárgico. Porém, ao despertarmo-nos já é tarde demais, embora
tivéssemos sido advertidos, por meio de alguns presságios, do
perigo que estava a caminho.
É de ter-se em mente a ideia de
que as coisas costumam ganhar proporção e contornos bem definidos
rapidamente, de modo a não nos mais permitir que impeçamos a sua
evolução. E é quase sempre assim mesmo: enquanto uma maioria dorme
sossegada e profundamente, há uma minoria de pessoas trabalhando,
sem cessar, silenciosamente. É nesse ínterim que somos engolidos
pelas ondas gigantes, que tomam todo o espaço da praia, antes mesmo
que pudéssemos delas nos proteger em tempo hábil.
Assim sendo, rogaríamos às
pessoas a não perderem tempo em momento algum, sobretudo nesses
momentos de crises cruciais, mas a trabalharem com muito afinco,
desconfiando de quase tudo, e em especial, das cantilenas que nos
chegam através de vozes suaves e muito agradáveis, pois, haveremos de
convir que muitas Musas inspiradoras haverá ainda de vir.