terça-feira, 28 de abril de 2020

À CAÇA DE RESPONSÁVEIS PARA ENCOBRIR INTERESSES ESCUSOS


Syro Cabral de Oliveira

A nossa intenção, a princípio, foi em dar uma nota de rodapé acerca do termo discurso original, que frequentemente mencionamos em nossos textos, mas logo em seguida mudamos de ideia e preferimos escrever um texto em vez de continuarmos com a primeira decisão.

Quando falamos de discurso primário ou original queremos, com efeito, nos referir acerca das ondas de discursos que partem de uma fonte única e inteiramente desconhecida, que tomam conta do espaço, no noticiário, dos veículos de comunicação de massa, por um bom período de tempo.

No momento vigente, estamos presenciando um discurso cujo fundo é o tema saúde. Na sua vanguarda, aparecem personagens que têm por objetivo exclusivo de proliferá-lo e disseminá-lo a exaustão. Alguns desses personagens não são tão abrangentes, universais, tal como o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde – OMS –, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Há outros ainda que são estritamente de caráter local, como figuras do tipo do ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que se comunica diretamente com as massas de sua própria língua.

Essas ondas de discursos são temporárias e sazonais e nem poderiam ter duração muito longa, porque se desgastariam e logo perderiam sua credibilidade. Seu objetivo é causar impacto, muito barulho e confundir a opinião das pessoas de um modo geral e desviar sua atenção dos problemas maiores. Têm que ser rápido, pois, do contrário, as pessoas perceberiam seus truques e suas verdadeiras intenções.

Não vai tardar muito, ao aproximar-se o período da estiagem e, em seguida, o das queimadas – incêndios florestais –, os referidos veículos de comunicação retomarão o discurso paranoico dos ecologistas de plantão. Assim, essas ondas de discursos vão se revezando, sem que as pessoas sequer percebam que há grandes interesses bem determinados por trás das fontes poderosas do capital internacional, que financiam e contornam o modo de pensar das pessoas.
Secas, tsunamis, chuvas torrenciais, furacões, vulcões são fenômenos da natureza, que ocorrem periodicamente e que, no passado, eram considerados divindades, devido a sua força incontrolável pelo homem. Entretanto, não há nenhum esforço, por parte dos governantes, que objetive esclarecer e conscientizar as pessoas, através de uma boa educação, acerca da natureza desses fenômenos e também das suas periodicidades. O que se objetiva mesmo é eleger responsáveis pelos danos causados por tais fenômenos, como se a causa das secas, por exemplo, fosse, de fato, o desmatamento.

Na Idade Moderna, com o avanço das ciências, o homem passou a pensar que o objetivo da Ciência era o de dominar a natureza. No entanto, mesmo diante do grande poder científico e financeiro dos Estados Unidos da América do Norte e do Japão, estes países não conseguem dominar os furacões e tsunamis, respectivamente.

Ocultamente, os representantes do grande capital financeiro internacional, nos bastidores, se articulam e financiam propagadores dos acontecimentos naturais e não naturais que ocorrem periodicamente – tais como pandemias, secas, furacões, ameaças de guerras etc. – e incitam-nos a dar-lhes uma dimensão descomunal, causando apreensão, insegurança, temor, angústia nas pessoas, com o único intuito de desviar a atenção dos telespectadores e, silenciosamente, realizarem seus mirabolantes projetos, sem que as populações mundiais deem conta das suas verdadeiras intenções. Assim sendo, eles vão se firmando e fortalecendo sua hegemonia no âmbito mundial, tal como a da China da atualidade e a de todos os gigantes da informática e dos fabricantes de equipamentos eletrônicos. Nesse sentido, recrutam pessoas certas para os lugares certos, sempre usando de dissimulação para dar um ar de que tudo ocorreu naturalmente. O atual diretor-geral da OMS se apresenta como uma figura central e possuidora de grande autoridade a respeito dos assuntos relacionados à saúde. Para tanto, ele se apoia no discurso científico. Discurso este que se tornou inquestionável, pois as ciências são a autoridade máxima, a deusa e, obviamente, o que uma deusa dita, não se pode questionar, como já fizemos referência em nosso texto Pseudo princípio de autoridade e complexo de rotulação.

A partir do discurso do Ghebreyesus, vários outros discursos são disseminados e propagados em alta velocidade. Entretanto, essas pessoas, que são escolhidas para fazer parte dessa cadeia de discursos, não estão ali por acaso. Elas se encontram ali, porque, de certo modo, possuem um talento especial para tal. Mesmo falando em inglês e poucas pessoas entendendo a fala do diretor-geral da OMS, a maioria das pessoas sente prazer em ouvi-lo, simplesmente, porque seu discurso é musical e causa prazer aos ouvidos e apazígua a alma. Dessa forma, também, é o que passa com o senhor Mandetta. Seu objetivo maior, fica claro pelo seu tom de voz, é mesmo surfar na crista das ondas dos discursos. Assim sendo, seu discurso é vazio de conteúdo, mas é inteiramente estribado na retórica e, além disso, é inebriante, altamente musical e aveludado, sem nenhum objetivo definido.

O discurso retórico, em si, não precisa ter conteúdo, basta ser agradável. É como uma letra de uma determinada música, que consiste apenas em uma única frase, mas, mesmo assim, quando cantada, seduz inteiramente seus ouvintes.

Existe para cada pessoa um dom especial. Não adianta tentar-se ser cantor sem que existam, de antemão, qualidades que proporcionem a realização de tal tentativa. Na fábula A lamentação do pavão, um pavão lamentou-se a deusa Hera por não possuir uma voz tão suave como a do rouxinol, dizendo que “seus gritos causam horror a toda gente”. Hera disse que o rouxinol tem sua bela voz, mas que o pavão possui beleza e majestade. Entretanto, o pavão replicou, dizendo “de que serve a minha beleza, se outro pássaro tem uma voz mais bela?” Hera “mandou o pavão embora, dizendo-lhe que cada criatura recebeu um talento especial. Tu recebeste a beleza, a águia tem força, o rouxinol tem uma voz melodiosa, o papagaio fala e a pomba tem sua inocência. Cada um tem de contentar-se com as suas qualidades e, se não queres continuar a sentir-te infeliz, é o que tens de fazer.”

É preciso que as pessoas aprendam a valorizar-se a si mesmas, pois, do contrário, levarão uma vida sem sentido, sem perspectiva e inteiramente melancólica, vagando, por esse mundo afora, sem rumo. Desde cedo, devemos procurar nos conhecer e nos vermos, através de uma espécie de espelho, quem somos e procurarmos descobrir quais são os nossos verdadeiros talentos. Esses homens, que falam com desenvoltura e arrebanham grandes multidões, não têm em vista, normalmente, o bem alheio, mas, quase sempre, eles procuram preencher o vazio do seu ego. Eles investem, desde uma tenra idade, nas tendências que se afloram em seu agir quotidiano. A frase socrática “Conhece-te a ti mesmo”, parece-nos muito pertinente em relação a esse contexto. Assim, para que se represente um papel de um ato de loucura, com o máximo de realismo, no teatro, não há nada mais acertado do que contratar um ator que se manifeste tendências à loucura. Não devemos jamais ser fingidos, mas sempre devemos ser realmente o que somos. A nossa espontaneidade é, certamente, uma virtude.

É preciso que não percamos tempo com coisas fúteis e alheias a nós. Há pessoas que perdem mais tempo, em toda sua vida, em preocupar-se com a vida das outras pessoas do que se ocupar propriamente consigo mesmas. É como diz Cioran, em seu livrinho História e utopia, “Detestamos aqueles que 'escolheram' viver na mesma época que nós, que correm a nosso lado, que entravam nossos passos ou nos deixam para trás. Em termos mais claros: todo contemporâneo é odioso. Conformamo-nos com a superioridade de um morto, jamais com a de um vivo, cuja simples existência constitui para nós uma censura e uma acusação, um convite às vertigens da modéstia. Que tantos semelhantes nos ultrapassem é uma evidência intolerável que esquivamos nos arrogando, por uma astúcia instintiva ou desesperada, todos os talentos e atribuindo-nos a vantagem de ser únicos. Sufocamos perto de nossos êmulos ou nossos modelos: que alívio diante de suas tumbas! O próprio discípulo só respira e se emancipa com a morte do mestre. Todos nós, enquanto existimos, invocamos com nossos desejos a ruína daqueles que nos eclipsam com seus dons, com seus trabalhos ou com suas façanhas, e esperamos ansiosamente, com avidez, seus últimos momentos. Alguém se eleva, em nosso setor, acima de nós e é razão suficiente para que desejamos nos ver livres dele: como perdoar-lhe a admiração que nos inspira, o culto secreto e doloroso que lhe consagramos? Que desapareça, que se afaste, que morra enfim, para que possamos venerá-lo sem dilaceramento, sem amargor, para que cesse nosso martírio!”

Para cada pessoa, há um papel específico e bem definido. E é isso que os mandatários procuram ver em cada pessoa que vai ser designada para ocupar um determinado cargo. O diretor-geral da OMS não ocupa esse cargo por acaso. Ele apresenta, de antemão, as qualidades certas para ser o porta-voz de um discurso totalmente bem elaborado por um grupo, que poderíamos dizer assim que, ocultamente, governa o mundo. Os âncoras, jornalistas, repórteres etc. são seus porta-vozes. Ou seja, são os profissionais, cheios de vaidade, que inflam o peito – à semelhança das Musas, exortadas pelo grande Zeus, imbuído de poder e portador da égide, a exaltarem as glórias dos deuses –, proliferam e disseminam as ideias que interessam ao grupo do capital dominante. Platão, no Íon, 533d, apresenta também semelhante ideia, através da pedra magnética. Pedra esta que “não somente atrai os anéis de ferro, mas lhes comunica a virtude de produzir o mesmo efeito e atrair outros anéis, de sorte que se vê algumas vezes uma longa cadeia de pedaços de ferro e de anéis suspensos uns aos outros, que todos tomam emprestado sua virtude desta pedra. De igual modo, a Musa, por si mesma, inspira o poeta, este comunica aos outros a inspiração e se forma uma cadeia inspirada”, que segue a seguinte ordem: Musas inspiradoras inspiram o poeta, que inspira o ator, que inspira o espectador.

A vida é um verdadeiro teatro. Brasília, a Casa Branca, nos Estados Unidos da América do Norte, a Casa Rosada, na Argentina etc., por exemplo, são o palco. Os políticos, eleitos pelo povo, são os atores. O povo, em sua totalidade, é o espectador. Os deputados, os senadores, os ministros e os presidentes das Repúblicas se contracenam diariamente entre si. Muitas vezes, se fingem de opositores, mas nos bastidores estão todos unidos, entre afagos e gargalhadas, ao comentarem as suas façanhas ao longo de cada dia.

Muitas vezes, é no momento de um barulho intenso que o nosso sono, ironicamente, se torna pesado e letárgico. Porém, ao despertarmo-nos já é tarde demais, embora tivéssemos sido advertidos, por meio de alguns presságios, do perigo que estava a caminho.

É de ter-se em mente a ideia de que as coisas costumam ganhar proporção e contornos bem definidos rapidamente, de modo a não nos mais permitir que impeçamos a sua evolução. E é quase sempre assim mesmo: enquanto uma maioria dorme sossegada e profundamente, há uma minoria de pessoas trabalhando, sem cessar, silenciosamente. É nesse ínterim que somos engolidos pelas ondas gigantes, que tomam todo o espaço da praia, antes mesmo que pudéssemos delas nos proteger em tempo hábil.

Assim sendo, rogaríamos às pessoas a não perderem tempo em momento algum, sobretudo nesses momentos de crises cruciais, mas a trabalharem com muito afinco, desconfiando de quase tudo, e em especial, das cantilenas que nos chegam através de vozes suaves e muito agradáveis, pois, haveremos de convir que muitas Musas inspiradoras haverá ainda de vir.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

ERA DA MENTE ESCRAVA


Syro Cabral de Oliveira

A vaidade, a busca de um vazio incessante, tem levado as pessoas atualmente a perseguirem um progresso ilusório, um modelo de vida de uma complexidade sem paralelo, que, possivelmente, jamais foi visto até então, em relação à natureza humana. As sociedades deixaram-se enganar rapidamente por falsas promessas de um mundo melhor e de um bem-estar que, provavelmente, largarão para trás um custo que talvez jamais se tenha visto em toda a história da humanidade.

                         É possível que a crise pela qual o mundo está atualmente vivendo deixará feridas expostas jamais presenciadas. Isto porque as pessoas deixaram, sem se perceberem, se seduzir por um discurso sorrateiro, traiçoeiro, sub-reptício, enganador, fantasioso, cheio de encanto e truques dos mais bem elaborados de todas as épocas, que tem por objetivo último modelar o modo de pensar das pessoas nos tempos atuais. Pois é notório que tal discurso invade nossos lares, todos os dias, devagarinho e silenciosamente, com o nosso próprio consentimento, e vai se alojando em nossas mentes, a conta-gotas, à semelhança das doses homeopáticas, construindo em nós um modo de pensar totalmente uniforme. Não é que ele seja excelente por si mesmo, mas porque ele nos chega dentro de uma embalagem eletrônica, mesclado de mistérios, e que, de certa forma, é compartilhado facilmente entre todos os usuários das redes sociais e também disseminado simultaneamente, através de todos os veículos de comunicação de massa. Além desse compartilhamento direto, esse discurso nos chega permeado de um pragmatismo altamente sedutor, de modo que, nunca é demais acrescentar que o modelo atual de educação, voltado para uma formação totalmente pragmática, tem por objetivo preparar o terreno para a sua penetração em todos os segmentos das sociedades. Pois sabe-se, evidentemente, que foi deixada inteiramente de lado uma educação que teria por objetivo último primar para uma real formação do ser humano. Uma formação que permita ao homem a se conhecer a si mesmo e o mundo que o rodeia. Uma formação que permita de fato ao homem se defender das cantilenas persuasivas e altamente sedutoras.

                         Nesse aspecto, o homem de hoje tornou-se um animal indefeso, vulnerável facilmente a determinadas ideologias e sujeito a toda uma construção meramente artificial, que visa, acima de tudo, a atingir alvos predefinidos pelo pensamento dominante.

                         As consequências dessa pandemia do coronavírus, certamente, serão incomensuráveis diante das estruturas ideológicas que o mundo está atualmente submetido. Ou seja, o mundo tornou-se prisioneiro de um modelo de capital que visa apenas o aqui e o agora, sem levar em consideração, propriamente dito, a presença dos seres humanos que contracenam nesse cenário capitalista. Além disso, o modelo econômico vigente, mesclado com o poder político e seus interesses escusos, que subjazem em suas profundezas enigmáticas, naturalmente, vai deixar um ponto de interrogação para todos os acontecimentos que estão se dando em nossa atualidade.

                         É possível que alguém diga, perante uma afirmação dessa natureza, em tom de ironia, o seguinte: “Oh, você está sendo um tanto pessimista!” E, logo em seguida pondera e afirma que as pandemias não são um caso novo. “Elas existem desde os primórdios da humanidade. Vejamos alguns exemplos recentes que se acham historicamente registrados. Peste Bubônica, século XIV; Peste de Marselha, século XVIII; Gripe do Frango e AIDS, século XX etc.”

                        Esses exemplos não deixam de ser uma pura verdade e são incontestáveis. Ninguém negaria esses fatos. O que muitas pessoas não veem e nem percebem são as circunstâncias que o mundo se encontra quando as pandemias ocorrem. As consequências das crises naturalmente são muito diferentes umas das outras em relação ao contexto do momento em que elas se dão.

                        Vejamos, então: o homem do século XXI tornou-se inteiramente dependente das tecnologias, das chamadas descobertas científicas, dos meios de produção agrícolas concentrados nas mãos de poucos produtores etc. Ou melhor: o homem do século XXI não se preocupou em buscar sua independência, sua liberdade, numa palavra, se libertar da escravidão. Pelo contrário, ele contribuiu e muito para o avanço de sua própria escravidão, quando procurou caminhar somente em direção da busca incessante dos confortos físicos, das facilidades oferecidas pelas tecnologias, em todos os sentidos. Ele não procurou se atentar que suas ações, embora inconscientes, só serviram para dar um grande impulso para a concentração da produção de alimentos e de todos os bens necessários à sua própria subsistência nas mãos de pequenos grupos poderosos e detentores dos instrumentos de produção, seja nos campos, seja em todos os domínios industriais. O homem comum, assalariado, tornou-se, por seu turno, um ser dependente dessa cadeia produtiva de bens de consumo, em nome de confortos e prazeres desenfreados e, também, de uma comodidade paradisíaca, sem atentar para as coisas mais simples que nos são absolutamente indispensáveis à nossa subsistência. Ele não foi capaz de perceber que todos esses confortos, construídos atualmente, não deixam de ser, em sua maior parte, um instrumento de domínio, através da dependência. Pois sabe-se que, com toda clareza, que a estimulação de desejos de consumo é uma das maiores ferramentas que proporcionam o domínio humano.

                        Seus hábitos de vida, quer de como comportar-se no dia a dia, de alimentar-se, de vestir-se etc. foram sub-repticiamente mudados. Criaram-se vícios de paladares, de modo a fazer com que as pessoas apeteçam alguns alimentos e rejeitem outros. De sorte que é possível que uma pessoa, hoje em dia, morra de fome, ainda que haja alimentos em abundância em sua própria casa. Em um diálogo entre Sócrates e o sofista Antífon – Xenofonte –, este último “supunha que a filosofia necessariamente aumentasse a felicidade de cada um” e, logo um pouco adiante acrescenta, que os frutos que Sócrates tem dela colhido “são aparentemente muito diferentes.” “Por exemplo – diz ele –. estás vivendo uma existência que levaria até um escravo a abandonar seu senhor. O que comes e bebes é o que há de mais pobre; o manto que usas, além de precário, jamais é trocado, no verão ou no inverno; por outro lado, sempre andas descalço e sem túnica. Além disso, te recusas a receber dinheiro, cuja mera obtenção já constitui uma alegria, ao passo que o ter torna a pessoa que o possui mais independente e feliz…”

                        Entre outras coisas, Sócrates replicou o sofista da seguinte maneira:

                        (…) “em caso dos amigos ou do Estado necessitar de ajuda, quem disporá de mais folga para atender às suas necessidades? Aquele que vive como vivo agora ou aquele cuja vida classificas como feliz? Quem considerará servir como soldado tarefa mais fácil? Quem não é capaz de sobreviver sem alimento caro ou quem se contenta com o que pode obter? Quem, ao ser sitiado, será o primeiro a se render? Aquele que deseja o que é de difícil aquisição ou aquele que é capaz de se arranjar com qualquer coisa que esteja disponível?”

                        “Parece, Antífon, que imaginas que a felicidade consiste de luxo e extravagância. Acredito, contudo, que é divino não ter necessidades; tê-las o mínimo possível aproxima-se do divino. E como aquilo que é divino é o mais excelente, aquilo que mais se aproxima de sua natureza, está mais próximo do mais excelente.”

                        Diante do exposto acima, convocaríamos as pessoas a se unirem em torno de si mesmas e procurassem fazer uma séria reflexão acerca do sentido da vida e de todas as coisas que se encontram ao seu redor. Procurassem também, ao mesmo tempo, questionar a si mesmas sobre as coisas que as afetam e que, além disso, fossem diretamente ao ponto crucial que nos interessa, ou seja, que questionassem se o mundo é ruim em si mesmo, ou, na verdade, é um produto, ou, em última análise, uma construção de nossas ações emanadas dos nossos pensamentos.

                        Se concluirmos que o mundo é um produto de nossas próprias ações, concluiríamos simultaneamente também que o mal não está nas coisas fora de nós, mas que o mal é um produto de nossos pensamentos e consequentemente de nossas ações. Logo, o mundo é um resultado do que pensamos e fazemos.

                        Então, somos escravos, na verdade, não em virtude das coisas que advêm do exterior, mas, na realidade, porque permitimos que alguém nos escravize. E a pior escravidão de todas as escravidões é a escravidão mental.

terça-feira, 14 de abril de 2020

À NATUREZA HUMANA NÃO CABE O RIGOR MATEMÁTICO


Syro Cabral de Oliveira

Em entrevista ao Fantástico, TV Globo, domingo, 12 de abril de 2020, o ex-deputado federal eleito pelo Mato Grosso do Sul e atual ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou o Mito da Caverna, de Platão, dizendo que “é pela ciência que se sai da caverna da ignorância.” Em relação a essa entrevista, circula um texto, sem autor, nas redes sociais, em especial, no WhatsApp, que achamos pertinente citar um trecho do mesmo aqui e fazermos as nossas ponderações. Eis abaixo o excerto do referido texto:

Então, para sair verdadeiramente para fora da caverna, é preciso essa prova ética de autenticidade pondo-se frente a frente a si mesmo, adequando discurso e prática. Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos. Estes que não têm autenticidade e ética Platão os chama de “sábios da caverna”, que se aproveitam da servidão e posam de sábios e chefes, quando na verdade são tiranos. Para Platão, a luz científica é capaz de conduzir apenas à boca da caverna. Pois para sair realmente da caverna, é preciso a luz ética. E o mais importante: quem sai, vence a si mesmo primeiro e vê como é o mundo que existe fora da caverna, porém não se contenta em ficar contemplando tal “verdade” apenas para si mesmo. Pois a razão de ser dessa luz que existe fora da caverna é fortalecer quem a conhece e se autoconhece a partir dela, adquirindo assim força existencial e pedagógica para retornar à caverna para ajudar a libertar quem ainda continua preso nela enfrentando os tiranos do corpo e da alma."

Esta passagem do texto parece-nos bastante oportuna para ilustrar o momento atual, sobretudo, quando se levam em consideração os discursos de cunho inteiramente persuasivos, que, possivelmente, têm por finalidade última levar às pessoas ao temor, à insegurança e à dúvida.

Não se deve certamente tratar o ser humano a partir de um rigor matemático. Dizer que as pessoas são infectadas, segundo uma progressão geométrica, é de uma tamanha leviandade, falta de idoneidade e respeito para com o ser humano, que até chega nos colocar em dúvida acerca da autoridade de certos profissionais, sobretudo, quando se trata de quem se especializou e atua no âmbito da saúde.

É preciso entender, no entanto, que não há ciência acerca do ser humano em sentindo absoluto, ou seja, não há conhecimento, em definitivo, que explique a natureza última do ser humana em sua inteireza. Sabemos que há pessoas, mesmo que se encontrem entre doentes, que não se infectam. É sabido também que já se introduziram células cancerígenas em determinados indivíduos saudáveis, a fim de experimentos, sem que se obtivessem resultados positivos.

O ser humano é imprevisível em todos os campos do conhecimento, quer que seja no âmbito da saúde, no do mercado financeiro, no dos estudos sociológicos etc.

Sabemos que muitas pessoas que já foram desenganadas pelos médicos, com previsão de vinte a trinta dias de vida, viveram, no entanto, entre quinze, vinte anos ou até mais, após a funesta profecia.

Não há ninguém, até hoje, que tenha uma explicação absolutamente plausível para a queda vertiginosa ou a subida íngreme e constante da bolsa de valores em um determinado dia.

Do mesmo modo, também, verificamos que muitas pesquisas eleitorais são, muitas vezes, um verdadeiro fiasco em relação aos resultados apresentados nas urnas.

Tudo que envolva o ser humano é inteiramente imprevisível. Tentar fazer previsão e explicar, com rigor matemático, os casos relacionados aos seres humanos é naturalmente uma falta de honestidade sem precedentes. Ou seja, tentar associar as pesquisas científicas  frias, desenvolvidas no interior de laboratórios, de indivíduos particulares, fundadas em rigorosos métodos científicos, a verdades absolutas e, ao mesmo tempo, aplicá-las, de maneira generalizada, a totalidade do universo dos indivíduos é, certamente, um verdadeiro embuste “científico”, com o intuito naturalmente de conduzir o grande rebanho ao bel-prazer. E, nesse caso, não deixaria de ser um truque de má-fé, como explicita a citação do excerto acima descrito. “Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar (da caverna) e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos.”

Assim sendo, um cientista que vê o mundo a partir somente do ponto de vista de sua ciência é tão ignorante quanto aquela pessoa que não possui nenhum conhecimento científico.

Nesse sentido, o que importa mesmo é a amplitude de visão. Diríamos que as coisas se passam da seguinte maneira em relação a um homem que habita o topo de uma montanha em oposição a um outro que habita seu sopé. O primeiro enxerga ao longe, contemplando a infinitude do horizonte, ao passo que o último vê somente uma ínfima parte do horizonte, mas, mesmo assim, se supõe conhecer a totalidade de todas as coisas.