terça-feira, 14 de abril de 2020

À NATUREZA HUMANA NÃO CABE O RIGOR MATEMÁTICO


Syro Cabral de Oliveira

Em entrevista ao Fantástico, TV Globo, domingo, 12 de abril de 2020, o ex-deputado federal eleito pelo Mato Grosso do Sul e atual ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, citou o Mito da Caverna, de Platão, dizendo que “é pela ciência que se sai da caverna da ignorância.” Em relação a essa entrevista, circula um texto, sem autor, nas redes sociais, em especial, no WhatsApp, que achamos pertinente citar um trecho do mesmo aqui e fazermos as nossas ponderações. Eis abaixo o excerto do referido texto:

Então, para sair verdadeiramente para fora da caverna, é preciso essa prova ética de autenticidade pondo-se frente a frente a si mesmo, adequando discurso e prática. Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos. Estes que não têm autenticidade e ética Platão os chama de “sábios da caverna”, que se aproveitam da servidão e posam de sábios e chefes, quando na verdade são tiranos. Para Platão, a luz científica é capaz de conduzir apenas à boca da caverna. Pois para sair realmente da caverna, é preciso a luz ética. E o mais importante: quem sai, vence a si mesmo primeiro e vê como é o mundo que existe fora da caverna, porém não se contenta em ficar contemplando tal “verdade” apenas para si mesmo. Pois a razão de ser dessa luz que existe fora da caverna é fortalecer quem a conhece e se autoconhece a partir dela, adquirindo assim força existencial e pedagógica para retornar à caverna para ajudar a libertar quem ainda continua preso nela enfrentando os tiranos do corpo e da alma."

Esta passagem do texto parece-nos bastante oportuna para ilustrar o momento atual, sobretudo, quando se levam em consideração os discursos de cunho inteiramente persuasivos, que, possivelmente, têm por finalidade última levar às pessoas ao temor, à insegurança e à dúvida.

Não se deve certamente tratar o ser humano a partir de um rigor matemático. Dizer que as pessoas são infectadas, segundo uma progressão geométrica, é de uma tamanha leviandade, falta de idoneidade e respeito para com o ser humano, que até chega nos colocar em dúvida acerca da autoridade de certos profissionais, sobretudo, quando se trata de quem se especializou e atua no âmbito da saúde.

É preciso entender, no entanto, que não há ciência acerca do ser humano em sentindo absoluto, ou seja, não há conhecimento, em definitivo, que explique a natureza última do ser humana em sua inteireza. Sabemos que há pessoas, mesmo que se encontrem entre doentes, que não se infectam. É sabido também que já se introduziram células cancerígenas em determinados indivíduos saudáveis, a fim de experimentos, sem que se obtivessem resultados positivos.

O ser humano é imprevisível em todos os campos do conhecimento, quer que seja no âmbito da saúde, no do mercado financeiro, no dos estudos sociológicos etc.

Sabemos que muitas pessoas que já foram desenganadas pelos médicos, com previsão de vinte a trinta dias de vida, viveram, no entanto, entre quinze, vinte anos ou até mais, após a funesta profecia.

Não há ninguém, até hoje, que tenha uma explicação absolutamente plausível para a queda vertiginosa ou a subida íngreme e constante da bolsa de valores em um determinado dia.

Do mesmo modo, também, verificamos que muitas pesquisas eleitorais são, muitas vezes, um verdadeiro fiasco em relação aos resultados apresentados nas urnas.

Tudo que envolva o ser humano é inteiramente imprevisível. Tentar fazer previsão e explicar, com rigor matemático, os casos relacionados aos seres humanos é naturalmente uma falta de honestidade sem precedentes. Ou seja, tentar associar as pesquisas científicas  frias, desenvolvidas no interior de laboratórios, de indivíduos particulares, fundadas em rigorosos métodos científicos, a verdades absolutas e, ao mesmo tempo, aplicá-las, de maneira generalizada, a totalidade do universo dos indivíduos é, certamente, um verdadeiro embuste “científico”, com o intuito naturalmente de conduzir o grande rebanho ao bel-prazer. E, nesse caso, não deixaria de ser um truque de má-fé, como explicita a citação do excerto acima descrito. “Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar (da caverna) e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos.”

Assim sendo, um cientista que vê o mundo a partir somente do ponto de vista de sua ciência é tão ignorante quanto aquela pessoa que não possui nenhum conhecimento científico.

Nesse sentido, o que importa mesmo é a amplitude de visão. Diríamos que as coisas se passam da seguinte maneira em relação a um homem que habita o topo de uma montanha em oposição a um outro que habita seu sopé. O primeiro enxerga ao longe, contemplando a infinitude do horizonte, ao passo que o último vê somente uma ínfima parte do horizonte, mas, mesmo assim, se supõe conhecer a totalidade de todas as coisas.

4 comentários:

  1. Texto extremamente bem escrito!
    Eu discordo do seu ponto de vista em relação à ciência. Creio que ela deva vir, sim, em primeiro lugar. O restante, vai de cada indivíduo: fé, religião, estilo de vida etc.

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  2. Agradeço muito teu comentário.
    A ciência também tem seus limites, até porque ela foi feita pelos seres humanos. Se a natureza humana é imperfeita; logo, sua obra, certamente, será imperfeita.

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  3. Amigo Prof.Syro Cabral,sempre com suas produções de altíssima relevância no vibe da questão em que estamos vivendo e vivenciando.Tragédia pela qual nosso "líder"ignora e dá mau exemplo. Algo que dá muito o que falar, até com relação às exceções mencionadas e não em vias de regra. Nada é objetivo, com relação à vida e tudo que a envolve...Imprevisível sim. Porém a Ciência nos ajuda e sempre nos ajudou e muito.Deus nos LIVRE se não fosse a pinicilina, os antibióticos, as vacinas de prevenção contra HIV ( testando),vacina contra poliomielite, etc...etc...De acordo com a boa metáfora daquele que habita o cume da montanha com relação ao outro do sopé, acho que contemplar a amplitude é profundo e sábio, porém em algum momento ele terá que descer. Mesmo com seus conhecimentos tem seus limites para com a vida. Um precisará do outro. Obrigada! Um abraço.

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    1. Certamente, teremos que descer das alturas, mas, também, devemos compreender que a crença cega é muita perniciosa. A ciência, com as suas descobertas, que deram resultados positivos, se não tomar os cuidados necessários, pode se tornar tão dogmática quanto às religiões.

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