quinta-feira, 26 de abril de 2012

A PRIVATIZAÇÃO DO PÚBLICO E SEU REFLEXO NA LEI DE TRÂNSITO

 Syro Cabral de Oliveira

O princípio de liberdade, de acordo com a lei 11 705/08 ou “Lei Seca” , como é popularmente conhecida, foi totalmente violado. Um Estado que se diz democrático jamais poderia ferir o princípio que lhe é mais caro, no caso específico, a liberdade. Estamos diante de um Estado contraditório. De um lado, prega a democracia, de um outro lado, pratica o autoritarismo. Isto por que o Estado brasileiro é um Estado bandido, na medida em que cada “político” que é eleito e chega ao poder, quer seja no âmbito municipal, estadual, federal, tornar-se, durante o seu mandato, o dono de qualquer uma dessas três instâncias de poder. Ao contrário, os Estados desenvolvidos são norteados por ideais ou princípios e funcionam como um grande navio ancorado. Nenhum homem eleito pode violar os ideais que norteiam e dão a essência desses países ou Estados. O homem que chega ao mando deve procurar zelar e manter esta grande embarcação equilibrada, como um piloto que sabe manobrar com perfeição o timão, impedindo que a mesma aderne. Seu papel, na verdade, é o de se tornar o guardião desses princípios ou ideais que caracterizam a essência última da ideia de nação. As leis outorgadas por ele devem expressar um caráter universal e não particular. Aliás, estamos aqui cometendo uma tautologia, porque, por definição, o conceito de lei já se expressa em seu bojo, pela sua própria natureza, a ideia de universalidade. Uma lei de trânsito tem que necessariamente destinar-se aos motoristas de um modo geral e não a este ou aquele motorista, ou seja, ir à caça de determinado motorista, como no caso específico dessa lei 11 705/08. Nesse caso, ela, em sua essência, perdeu o caráter de lei e passou a ser uma medida discriminatória.

O Estado, por sua natureza, é um grande peso sobre os ombros de seus cidadãos, mas é, muitas vezes, um peso necessário. O Estado brasileiro está indo muito além dos seus limites. Como estamos vendo, o Estado brasileiro está se colocando como um Estado onisciente e os seus cidadãos como pessoas incapazes, que necessitam de um condutor constantemente. Por outro lado, o Estado está se ausentando onde deveria estar presente. É caso dos nossos jovens entre 13 e 17 anos de idade perambulando pelas ruas às altas horas das madrugas, sem que seus pais nada possam fazer, pois não há nenhuma lei que lhes dê respaldo. Quando estes tentam argumentar das consequências danosas que podem advir dessa prática noturna, seus filhos contra-argumentam, enumerando vários outros adolescentes que se encontram nessa mesma situação, como seu pai os tivesse discriminando. Esses jovens se iniciam muito cedo em uma vida desregrada, tornando-lhes arrojados e desprovidos de responsabilidade. Colocar os filhos hoje em dia no bom caminho tornou-se uma tarefa difícil e uma questão de sorte, pois os pais estão à mercê de um Estado bandido e totalmente ausente onde deveria estar presente. O Estado deveria primar e auxiliar as famílias o tempo todo no aspecto de contribuir para uma boa formação de seus cidadãos. Esse sim seria o seu papel legítimo, porque não se resolvem os problemas pelos efeitos e sim pelas causas.

Se nós, cidadãos honestos, não fizermos nada, através de ações enérgicas, o Estado brasileiro vai nos tornar totalmente reféns e escravos da vontade de uns poucos que chegam ao poder. Podemos citar, como acréscimo, um exemplo bem gritante e visível que reflete o mesmo espírito dessa abominável “Lei Seca” que, no caso, é a obrigatoriedade de vistoriar os veículos automotores todos os anos. O Estado do Rio de Janeiro tornou-se na prática o grande proprietário da frota de veículos que nele circula. Vejamos: pagamos os nossos impostos em dia, no caso específico, IPVA, mas não somos os donos de nossa propriedade que compramos e pagamos. Se não a vistoriarmos todos os anos, mesmo com tudo pago, o Estado se acha no direito de apreendê-la. O que é um grande absurdo. O mais desagradável de tudo isso é que perdemos quase um dia todo, todos os anos para vistoriar os nossos veículos. Além disso, passamos ainda por uma grande humilhação. Ao chegar ao posto de vistoria, um daqueles molecotes nos ordena a entrar em nossos veículos e do lado de fora, aos berros, começa a ordenar: “ligue o carro, acenda os faróis, seta para direita, para a esquerda, ligue o limpador, ligue o pisca alerta, engate a ré, pise no freio etc.” Seu proprietário ali dentro se sente apreensivo e diminuído. A taxa que pagamos para tal serviço é exorbitante. Seria o suficiente para custear a nossa recepção em uma sala com ar condicionado, café e água gelada, enquanto uma pessoa habilitada e competente fizesse a vistoria de nossa propriedade, que no caso, é o nosso veículo. Neste caso, notamos, com toda clareza, que, de um lado, o cidadão comum é visto como incapaz e irresponsável, tendo a necessidade de ser fiscalizado sempre. De um outro lado, o Estado está imbuído de pessoas capazes e totalmente habilitadas para nos fiscalizar. Infelizmente o princípio de responsabilidade foi absolutamente descartado. As leis, como esses homens veem, têm por fim prevenir e não o intuito de levar o cidadão a tornar-se responsável pelas suas ações.

É bem sabido de todos que somente os homens honestos são submetidos a esta total humilhação, ao passo que os desonestos, que não é um número diminuto, não passam por isso.


Pois bem, quando no início dizíamos que o princípio de liberdade foi violado, porque entendemos que a liberdade deve estar sempre ao lado da responsabilidade. Ora, todo homem, por natureza, deve ser totalmente livre, contanto que ele responda pelos seus atos. O Estado ou quem quer que seja não pode e não tem o direito de prejulgar ninguém. Nenhum indivíduo, pela natureza das coisas, não pode ser julgado ou condenado antes de cometer um crime. E é exatamente isso que faz essa abominável e famigerada lei número 11 705/08 ou “Lei Seca”. É um dos maiores desrespeitos para com o cidadão. O papel do Estado não é o de prevenir, tampouco o de ser paternalista, mas de usar de todos os meios para formar o cidadão. E a formação do cidadão se dá através de um trabalho sério, permanente e criterioso. Entendemos que só a boa educação faz com que os indivíduos se conscientizem de seus atos. O homem erra porque desconhece as consequências de suas ações.

Como já dizia Sócrates, filósofo grego, séculos V e IV a.C., que o homem só erra por ignorância. Isto quer dizer que o homem que desconhece as consequências de suas ações está sujeito ao erro. O que vai fazer com que o homem de fato possa antever as consequências de suas ações é uma educação que prime para a formação de seu caráter. Fora disso, será quase que impossível termos bons cidadãos.

As leis devem refletir a vontade de um povo e não a vontade de determinadas pessoas ou determinados grupos pertencentes à sociedade para atender a interesses escusos ou aos seus caprichos. E consequentemente, o verdadeiro Estado deve ser absolutamente neutro e acima de qualquer interesse individual. Assim sendo, as leis devem ser aplicadas com todo rigor. O indivíduo que as descumprir deve ser rigorosamente punido, pois esta punição serve de exemplo para outros. Normalmente, as pessoas acabam aprendendo com os erros das outras pessoas.

O artigo do Sr. Fernando Diniz, defensor fervoroso da denominada “Lei Seca”, publicado em seu blog http://transitoamigo.blog.terra.com.br/tag/lei-seca/, é muito infeliz no que tange a sua abordagem. O Sr. Diniz, na réplica ao artigo do desembargador Benedicto Abicair, “LEI SECA”, publicado na edição do dia 20 de julho de 2009 do Jornal do Commercio e no seu blog, escreveu um texto inconsistente, incoerente, sem nenhuma fundamentação lógica. Isso, naturalmente, se deu porque ele deve desconhecer totalmente os princípios lógicos. Diniz tenta fazer uma analogia entre a “Lei Seca” e as normas aplicadas aos passageiros de aviões e aos turistas que queiram entrar em outro país. Diz ele “Um bom exemplo é o embarque em aviões. Por que submeter o passageiro a uma revista pessoal vexatória, diante de todo mundo, quando o portal de RX nos aeroportos apita? Prevenção!” “E a razão de um turista ser impedido de entrar em país estrangeiro por falta de determinada vacina? Prevenção.” “Em ambos os casos, não há prisão. Mas o cidadão não embarca e nem entra no país que deseja visitar.” Nada mais falso do que essa sua analogia, pois ele deve ignorar que só se pode fazer analogia, especialmente, entre as coisas que possuam relações ou correspondências qualitativas. Fora disso, o argumento torna-se falacioso ou sofístico, como é o caso do seu argumento, se é que podemos chamar de argumento.
 
Ora, talvez o nosso articulista desconhece que o nosso veículo é uma propriedade particular, ao passo que o avião é uma propriedade alheia, regida por normas e regras específicas. Se quisermos usá-lo, teremos que nos submeter às normas e regras já estabelecidas de antemão, pois, do contrário, somos impedidos de seguir viagem. A mesma coisa se aplica a quem queira entrar em um outro país. Será que o Sr. Diniz desconhece isso? E por fim ele recorre ao senso comum de que “quem não deve não teme” para fazer valer o seu ponto de vista quando uma pessoa se recusa a fazer o teste do bafômetro.

Parece-nos que esse Estado invisível que, infelizmente, muitas pessoas, inconscientemente, estão querendo, ou seja, um Estado onisciente, onipresente, onipotente e ávido por dinheiro, que oprime, massacra, escraviza psicologicamente o homem honesto em nome da lei, ou melhor, uma lei estabelecida a partir da vontade dos interesses de algumas poucas pessoas ou grupos, vai se tornar, talvez, em um futuro não muito distante, inviável. Isto por que, a cada momento vai levando cada vez mais um número maior de pessoas a ficar à sua margem.