Syro Cabral de Oliveira
Elaborar um sistema ateísta não implica, em hipótese alguma,
negar a existência de Deus, como muitas pessoas pensam. Ora, a
palavra ateísta é formada a
partir da partícula a,
que significa ausência, mais a palavra ou o radical grego theos.
Assim, do mesmo modo que uma atitude amoral não significa uma ação
que transgrida os valores morais positivos, uma atitude ateísta
também não significa negar Deus em sua plenitude. Uma pessoa pode
crer piamente em Deus, mas, mesmo assim, pode defender uma tese que
não necessite de crença em uma determinada divindade para lhe dar
credibilidade ou justificar a sua coerência interna. Um sistema
constituído logicamente se explica por si mesmo. Não precisa de uma
autoridade exterior para fazer com que ele seja passivo de
credibilidade.
Posto isso e depois de, aparentemente, revelarmos um certo teor de
ateísmo acerca do conteúdo de algumas de nossas publicações aqui,
sentimo-nos na obrigação de mostrar, com toda sinceridade, o nosso
lado religioso. É o que passamos doravante a fazer. Estamos, pois, certos de que as pessoas que nos leem tenham uma certa curiosidade
para saber o lado oculto do nosso ego.
Além disso, estamos certos, também, de que não temos nenhuma
tendência ou pretensão a uma atitude mongil e naturalmente estamos
longe de tê-la, embora seja, pois, verdade que gostamos mesmo é de
habitar as montanhas e ficarmos próximos aos penhascos, picos
rochosos, tomados inteiramente pelas geleiras, cuja cor nos apresenta
em tom azulado. Arrepia-se quem quiser, mas esses lugares são
inteiramente propícios às mentes férteis. Que os deuses fiquem
sempre ao nosso lado e, obviamente, ao lado também das pessoas que
se revelem de acordo com as atitudes divinas.
Diante disso, não nos poderíamos deixar de nos lembrar que as
divindades não são outra coisa senão a pura inteligência. Quanto
mais desenvolveremos a nossa capacidade racional, mais divinos nos
tornaremos. A inteligência é invisível e intangível; logo, quanto
mais abandonarmos o mundo material e enveredarmos em direção ao
mundo intelectual, mais divinos nos seremos.
Quando falamos de mundo intelectual ou espiritual, não concebemos,
entretanto, um mundo transcendente, mas, simplesmente, um mundo
completamente imanente, cujas divindades povoam, em toda sua
plenitude, o nosso mundo interior.
Em virtude da imperfeição humana e seus temores diante das forças
da natureza, o homem foi levado a imaginar ou inventar um ser
absolutamente transcendente, onisciente, onipotente, onipresente e,
consequentemente, depois de ter criado esse ser com todos esses
atributos a que nenhum ser humano possa tê-los conjuntamente e com o
passar do tempo, em virtude do seu esquecimento, inverteu seu papel
de criador ao de criatura e passou a adorá-lo.
Assim sendo, imaginou, também, a si mesmo como imagem e semelhança
de seu todo-poderoso SER, para justificar, naturalmente, a sua
suposta supremacia em face dos demais seres vivos e de todas as
outras coisas que ocupam o espaço do reino terrestre. Criou assim
também, culturalmente, o sentimento de crença para poder crer em si
mesmo e se justificar perante seus semelhantes e em relação a sua
própria existência. Doravante, perdeu a sua própria autoconfiança
e foi buscar sua salvação fora de seu mundo, abandonando, assim, o
verdadeiro caminho para atingir o paraíso perdido.
Aliás, como é sabido de todos, é somente, através do caminho do
conhecimento que o homem pode alcançar o paraíso tão sonhado.
Portanto, é através de um esforço árduo, por meio de um caminho
ascendente, que o homem deve lutar para sair de seu estado ou mundo
de ignorância e alcançar a suprema gnose, isto é, o verdadeiro
conhecimento ou a plenitude das coisas que possam ser adquiridas
através do uso da razão. Logo, a felicidade plena do homem depende
inteiramente desse percurso que aponta para a plenitude do
desenvolvimento de sua alma, para assim se encerrar no verdadeiro
coroamento das verdades cristalinas que o pensamento possa atingir.
Assim sendo, podemos concluir que um ser elevado em sua plena
inteireza e em sua completa magnitude, em relação a todos os
atributos concernentes às coisas divinas, jamais seria um ser
egoísta ou egocentrista, como se concebe o nosso todo-poderoso Deus
transcendente. Criar um mundo para se justificar seria, sem sombra de
dúvida, a externação de um estado de carência próprio de um ser
imperfeito. Por isso mesmo que Sócrates recusa, veementemente, o
atributo de divindade a Eros (amor),
ser intermediário entre os deuses e os mortais, entre
a penúria e a riqueza, justamente, por sua natureza intrínseca à
carência.
Um ser que de fato teria todo poder de criar todas as coisas que
possam existir no Universo, jamais exigiria algo em troca, sobretudo,
de suas criaturas. Seu amor seria, certamente, incondicional e além
disso, não se sentiria necessidade, em nenhum momento, de uma certa
recompensa para fazer valer sua grandeza.
Logo, as suas criaturas não teriam necessidade de implorá-lo a
salvação. Esta se daria naturalmente por meio das virtudes
recebidas de seu criador.
Se Deus criou o mal e o bem e os deu aos homens, racionalmente
falando, não seria justo puni-los quando estes praticassem o mal.
Pois, o mal estaria, essencialmente, intrínseco à própria
natureza humana.
Se Deus é bom e todo-poderoso, como afirmam muitas pessoas, por que
então criou o mal? Seria uma contradição ou um ato de brincadeira
de mau gosto?
Ora, se um ser superior criou o Universo a partir do nada, como se
propõe, logo esse ser estava em lugar nenhum. Se ele não estava em
lugar algum, consequentemente, ele era um nada também. Seria mais
sensato, então, concluirmos que todas as coisas sempre existiram e
sempre existirão e que apenas seria mais racional concebermos uma
inteligência que governe o mundo. Nesse sentido, podemos conceber o
Universo como uma circunferência, figura que não tem começo e
tampouco fim.
E para concluirmos, diríamos que a facilidade com que o ser humano
tem para absorver os conteúdos doutrinadores faz com que ele aceite
todas as crenças elaboradas, culturalmente, como se as mesmas fossem
absolutamente naturais e preexistentes. Não consegue perceber,
sequer, que pelo fato de uma ideia ter sido veiculada ou passada de
geração em geração não a torna uma verdade, em hipótese alguma,
ainda que alguém imbuído de uma certa autoridade a repita
exaustivamente. Não é a repetição de uma afirmação falsa que a
torna verdadeira, como querem, pragmaticamente, os veículos de
comunicação de massa de nossos dias inocular em nossas mentes. Não
é também a antiguidade de uma crença que a torna verdadeira e
assim por diante.
Os Deuses estão sempre em todos os lugares, nos mais ocultos possíveis. |
Eis, a seguir, um texto, sem autor, que encontramos entre vários
livros e vinis antigos, muito pertinente às nossas colocações
acima. Pela linha de pensamento que o atravessa, concluímos que
seria interessante, por sua natureza instigante, publicá-lo aqui, em
nosso blog. Seu título é: DEUS – O BEM E O MAL.
“Creio que Deus está dentro de mim ou não está em parte alguma.
Assim sendo, a quem devo adorar? A mim mesma?
As criaturas estão em planos diferentes de desenvolvimento
espiritual e por isso, a nossa imaginação criou vários Deuses.
Cristo, para os Cristãos, Brahma, Vichnu e Siva para os Hindus e
centenas de outros nomes.
O Absoluto, o Eterno tanto está em Isvara (uma das designações de
Deus) criador e senhor do mundo como no humilde fetiche diante do
qual o camponês no seu campo crestado de sol coloca a oferenda de
uma flor. Os inúmeros Deuses existentes não passam de expedientes
para levar-nos a compreensão de que o PESSOAL é idêntico em
substância ao SUPREMO.
Penso que os criadores da religião que impunham para a salvação a
crença na doutrina que pregavam agiam como se tivessem a necessidade
de nossa fé para terem fé em si próprios.
Creio que para se conseguir a salvação o melhor caminho e mais
nobre, se bem que o mais árduo, é o do conhecimento pois o seu
instrumento é a mais preciosa faculdade do homem: A Razão.
Dizem que Deus criou o mundo para sua própria glória, não me
parece um objetivo muito admirável. Teria Beethoven criado suas
sinfonias para sua própria glória? Não acredito. A meu ver,
criou-as para dar expressão a música que existia em seu cérebro,
tentando, apenas, torná-la tão perfeita quanto lhe era possível.
Por que pedimos ao Pai Celestial o pão de cada dia? Por acaso, as
crianças pedem ao pai terrestre que as alimente? Esperam isto dele e
não pode ou não quer sustentá-los. A mim me parece que, se um
criador onipotente não estava disposto a prover as necessidades
materiais e espirituais das criaturas, teria sido preferível não
criá-las.
Outra coisa, não posso crer que Deus tenha em grande conta o homem
que tenta alcançar a salvação por meio de uma adulação abjeta.
A meu ver, a forma de adoração mais agradável a Deus consistiria
em proceder cada um da melhor maneira possível de acordo com as suas
luzes.
Outra coisa ainda; com relação a pecado: Afinal de contas – não
foi Deus que criou os homens e se os criou capazes de pecar – foi
porque assim o quis. Se eu ensinasse o meu cachorro a saltar sobre
qualquer desconhecido que entrasse no meu quintal, não seria justo
bater-lhe quando o fizesse.
Se foi Deus bom, todo-poderoso que criou o mundo, por que motivo
criou o mal?
Não está em mim acreditar num Deus que não tenha senso comum;
também não vejo razão para não se acreditar num Deus que não
tenha criado o mundo, mas que procure fazer o possível para melhorar
aquele que encontrou; um Ser infinitamente melhor, mais sábio e
maior que o homem, que lute contra o mal que não foi criado por Ele,
podendo-se esperar que no fim chegue a vencê-lo.
Na minha concepção, o Universo não teve princípio nem terá fim,
mas, passará, perpetuamente, do desenvolvimento ao equilíbrio, do
equilíbrio à decadência, da decadência à dissolução, da
dissolução ao desenvolvimento e assim por diante até a eternidade.
É crença partilhada por 2/3 da raça humana é que existe a
transmigração das almas e que a finalidade da criação é servir
de palco para o castigo ou recompensa dos atos cometidos pelas almas
em existências anteriores. No entanto, o fato de muita gente
acreditar numa coisa não é garantia de sua veracidade.
A meu ver, o Cristianismo assimilou tanta coisa do neoplatonismo que
poderia, facilmente, ter assimilado isso também; a falar a verdade.
Houve mesmo, nos primeiros tempos, uma seita que acreditava na
transmigração, mas foi declarada herética. Se não fosse isto, os
Cristãos acreditariam na ressurreição de Cristo.
Por que não criou Deus um mundo livre de sofrimentos e de aflições
no princípio, quando não havia no indivíduo mérito ou demérito
nos seus atos?
Talvez, para isto não haja solução ou quem sabe, não seja eu
bastante sagaz para encontrá-la, o que é mais provável.
Segundo Ramakrishna, o mundo é um jogo; neste jogo há tristeza e
alegria, virtude e vício, saber e ignorância, bem e mal. O jogo não
poderá continuar se o sofrimento e o pecado forem banidos da criação.
Eu rejeito esta explicação. A melhor sugestão que posso oferecer
é que o mal é o correlativo natural do bem.”
A inteligência é divina.
ResponderExcluirSe não era intenção que sua mais querida criação corresse tal risco, qual sentido introduzir tal mal no Paraíso.
ResponderExcluirAquele que tudo pode e tudo sabe, antecipadamente podia ter evitado e sabia o que ali ocorreria.
A bíblia é um livro vencedor, ultrapassa séculos atraindo leitores e atingindo bilhões de almas neste mundo. Todavia, seu maior mérito não está na lógica, que francamente não possui, mas está na sua indestrutível capa a proteger seu cariz de inquestionável, que como o bem nos motiva e emociona, porém ao mal inspira a punição.
Ao bem chamamos Deus, ao mal o inimigo. Para os de Deus toda bênção e toda graça, para os outros o castigo.
Na verdade isso não é isso, a bíblia, a fazer esse ou aquele homem melhor, há quem a tenha permanente à cabeceira e seja um bom filho da pura, assim como há gente de puro amor que nunca a tenha lido.
As fábulas são diversas, estando nos olhos de quem as lê a real janela de uma alma que tanto pode se inspirar num livro sagrado para justificar a violência ou no Pequeno Príncipe para realizar amor.- Alexandre Duarte
Esta frase não faz sentido pois vejamos: "Ora, se um ser superior criou o Universo a partir do nada, como se propõe, logo esse ser estava em lugar nenhum. Se ele não estava em lugar algum, consequentemente, ele era um nada também." Ora desde quando algo para existir tem de estar atrelado ao espaço? As essências explicitadas por Platão em sua vasta obra ocupam espaço? Não, porém existem. Deus é por natureza imaterial, pois imutável. Se ele existe é preciso que necessariamente seja imutável, portanto transcendente ao espaço-tempo. Logo não pode ocupar espaço pois só coisas feitas de matéria, ocupam.
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