quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A MAGNITUDE E OS ATRIBUTOS DAS DIVINDADES

Syro Cabral de Oliveira

Elaborar um sistema ateísta não implica, em hipótese alguma, negar a existência de Deus, como muitas pessoas pensam. Ora, a palavra ateísta é formada a partir da partícula a, que significa ausência, mais a palavra ou o radical grego theos. Assim, do mesmo modo que uma atitude amoral não significa uma ação que transgrida os valores morais positivos, uma atitude ateísta também não significa negar Deus em sua plenitude. Uma pessoa pode crer piamente em Deus, mas, mesmo assim, pode defender uma tese que não necessite de crença em uma determinada divindade para lhe dar credibilidade ou justificar a sua coerência interna. Um sistema constituído logicamente se explica por si mesmo. Não precisa de uma autoridade exterior para fazer com que ele seja passivo de credibilidade.

Posto isso e depois de, aparentemente, revelarmos um certo teor de ateísmo acerca do conteúdo de algumas de nossas publicações aqui, sentimo-nos na obrigação de mostrar, com toda sinceridade, o nosso lado religioso. É o que passamos doravante a fazer. Estamos, pois, certos de que as pessoas que nos leem tenham uma certa curiosidade para saber o lado oculto do nosso ego.

Além disso, estamos certos, também, de que não temos nenhuma tendência ou pretensão a uma atitude mongil e naturalmente estamos longe de tê-la, embora seja, pois, verdade que gostamos mesmo é de habitar as montanhas e ficarmos próximos aos penhascos, picos rochosos, tomados inteiramente pelas geleiras, cuja cor nos apresenta em tom azulado. Arrepia-se quem quiser, mas esses lugares são inteiramente propícios às mentes férteis. Que os deuses fiquem sempre ao nosso lado e, obviamente, ao lado também das pessoas que se revelem de acordo com as atitudes divinas.

Diante disso, não nos poderíamos deixar de nos lembrar que as divindades não são outra coisa senão a pura inteligência. Quanto mais desenvolveremos a nossa capacidade racional, mais divinos nos tornaremos. A inteligência é invisível e intangível; logo, quanto mais abandonarmos o mundo material e enveredarmos em direção ao mundo intelectual, mais divinos nos seremos.

Quando falamos de mundo intelectual ou espiritual, não concebemos, entretanto, um mundo transcendente, mas, simplesmente, um mundo completamente imanente, cujas divindades povoam, em toda sua plenitude, o nosso mundo interior.

Em virtude da imperfeição humana e seus temores diante das forças da natureza, o homem foi levado a imaginar ou inventar um ser absolutamente transcendente, onisciente, onipotente, onipresente e, consequentemente, depois de ter criado esse ser com todos esses atributos a que nenhum ser humano possa tê-los conjuntamente e com o passar do tempo, em virtude do seu esquecimento, inverteu seu papel de criador ao de criatura e passou a adorá-lo.

Assim sendo, imaginou, também, a si mesmo como imagem e semelhança de seu todo-poderoso SER, para justificar, naturalmente, a sua suposta supremacia em face dos demais seres vivos e de todas as outras coisas que ocupam o espaço do reino terrestre. Criou assim também, culturalmente, o sentimento de crença para poder crer em si mesmo e se justificar perante seus semelhantes e em relação a sua própria existência. Doravante, perdeu a sua própria autoconfiança e foi buscar sua salvação fora de seu mundo, abandonando, assim, o verdadeiro caminho para atingir o paraíso perdido.

Aliás, como é sabido de todos, é somente, através do caminho do conhecimento que o homem pode alcançar o paraíso tão sonhado. Portanto, é através de um esforço árduo, por meio de um caminho ascendente, que o homem deve lutar para sair de seu estado ou mundo de ignorância e alcançar a suprema gnose, isto é, o verdadeiro conhecimento ou a plenitude das coisas que possam ser adquiridas através do uso da razão. Logo, a felicidade plena do homem depende inteiramente desse percurso que aponta para a plenitude do desenvolvimento de sua alma, para assim se encerrar no verdadeiro coroamento das verdades cristalinas que o pensamento possa atingir.

Assim sendo, podemos concluir que um ser elevado em sua plena inteireza e em sua completa magnitude, em relação a todos os atributos concernentes às coisas divinas, jamais seria um ser egoísta ou egocentrista, como se concebe o nosso todo-poderoso Deus transcendente. Criar um mundo para se justificar seria, sem sombra de dúvida, a externação de um estado de carência próprio de um ser imperfeito. Por isso mesmo que Sócrates recusa, veementemente, o atributo de divindade a Eros (amor), ser intermediário entre os deuses e os mortais, entre a penúria e a riqueza, justamente, por sua natureza intrínseca à carência.

Um ser que de fato teria todo poder de criar todas as coisas que possam existir no Universo, jamais exigiria algo em troca, sobretudo, de suas criaturas. Seu amor seria, certamente, incondicional e além disso, não se sentiria necessidade, em nenhum momento, de uma certa recompensa para fazer valer sua grandeza.

Logo, as suas criaturas não teriam necessidade de implorá-lo a salvação. Esta se daria naturalmente por meio das virtudes recebidas de seu criador.

Se Deus criou o mal e o bem e os deu aos homens, racionalmente falando, não seria justo puni-los quando estes praticassem o mal. Pois, o mal estaria, essencialmente, intrínseco à própria natureza humana.

Se Deus é bom e todo-poderoso, como afirmam muitas pessoas, por que então criou o mal? Seria uma contradição ou um ato de brincadeira de mau gosto?

Ora, se um ser superior criou o Universo a partir do nada, como se propõe, logo esse ser estava em lugar nenhum. Se ele não estava em lugar algum, consequentemente, ele era um nada também. Seria mais sensato, então, concluirmos que todas as coisas sempre existiram e sempre existirão e que apenas seria mais racional concebermos uma inteligência que governe o mundo. Nesse sentido, podemos conceber o Universo como uma circunferência, figura que não tem começo e tampouco fim.

E para concluirmos, diríamos que a facilidade com que o ser humano tem para absorver os conteúdos doutrinadores faz com que ele aceite todas as crenças elaboradas, culturalmente, como se as mesmas fossem absolutamente naturais e preexistentes. Não consegue perceber, sequer, que pelo fato de uma ideia ter sido veiculada ou passada de geração em geração não a torna uma verdade, em hipótese alguma, ainda que alguém imbuído de uma certa autoridade a repita exaustivamente. Não é a repetição de uma afirmação falsa que a torna verdadeira, como querem, pragmaticamente, os veículos de comunicação de massa de nossos dias inocular em nossas mentes. Não é também a antiguidade de uma crença que a torna verdadeira e assim por diante.

Os Deuses estão sempre em todos os lugares, nos mais ocultos possíveis.
Eis, a seguir, um texto, sem autor, que encontramos entre vários livros e vinis antigos, muito pertinente às nossas colocações acima. Pela linha de pensamento que o atravessa, concluímos que seria interessante, por sua natureza instigante, publicá-lo aqui, em nosso blog. Seu título é: DEUS – O BEM E O MAL.

“Creio que Deus está dentro de mim ou não está em parte alguma. Assim sendo, a quem devo adorar? A mim mesma?

As criaturas estão em planos diferentes de desenvolvimento espiritual e por isso, a nossa imaginação criou vários Deuses. Cristo, para os Cristãos, Brahma, Vichnu e Siva para os Hindus e centenas de outros nomes.

O Absoluto, o Eterno tanto está em Isvara (uma das designações de Deus) criador e senhor do mundo como no humilde fetiche diante do qual o camponês no seu campo crestado de sol coloca a oferenda de uma flor. Os inúmeros Deuses existentes não passam de expedientes para levar-nos a compreensão de que o PESSOAL é idêntico em substância ao SUPREMO.

Penso que os criadores da religião que impunham para a salvação a crença na doutrina que pregavam agiam como se tivessem a necessidade de nossa fé para terem fé em si próprios.

Creio que para se conseguir a salvação o melhor caminho e mais nobre, se bem que o mais árduo, é o do conhecimento pois o seu instrumento é a mais preciosa faculdade do homem: A Razão.
Dizem que Deus criou o mundo para sua própria glória, não me parece um objetivo muito admirável. Teria Beethoven criado suas sinfonias para sua própria glória? Não acredito. A meu ver, criou-as para dar expressão a música que existia em seu cérebro, tentando, apenas, torná-la tão perfeita quanto lhe era possível.

Por que pedimos ao Pai Celestial o pão de cada dia? Por acaso, as crianças pedem ao pai terrestre que as alimente? Esperam isto dele e não pode ou não quer sustentá-los. A mim me parece que, se um criador onipotente não estava disposto a prover as necessidades materiais e espirituais das criaturas, teria sido preferível não criá-las.

Outra coisa, não posso crer que Deus tenha em grande conta o homem que tenta alcançar a salvação por meio de uma adulação abjeta.
A meu ver, a forma de adoração mais agradável a Deus consistiria em proceder cada um da melhor maneira possível de acordo com as suas luzes.
Outra coisa ainda; com relação a pecado: Afinal de contas – não foi Deus que criou os homens e se os criou capazes de pecar – foi porque assim o quis. Se eu ensinasse o meu cachorro a saltar sobre qualquer desconhecido que entrasse no meu quintal, não seria justo bater-lhe quando o fizesse.

Se foi Deus bom, todo-poderoso que criou o mundo, por que motivo criou o mal?

Não está em mim acreditar num Deus que não tenha senso comum; também não vejo razão para não se acreditar num Deus que não tenha criado o mundo, mas que procure fazer o possível para melhorar aquele que encontrou; um Ser infinitamente melhor, mais sábio e maior que o homem, que lute contra o mal que não foi criado por Ele, podendo-se esperar que no fim chegue a vencê-lo.

Na minha concepção, o Universo não teve princípio nem terá fim, mas, passará, perpetuamente, do desenvolvimento ao equilíbrio, do equilíbrio à decadência, da decadência à dissolução, da dissolução ao desenvolvimento e assim por diante até a eternidade.

É crença partilhada por 2/3 da raça humana é que existe a transmigração das almas e que a finalidade da criação é servir de palco para o castigo ou recompensa dos atos cometidos pelas almas em existências anteriores. No entanto, o fato de muita gente acreditar numa coisa não é garantia de sua veracidade.

A meu ver, o Cristianismo assimilou tanta coisa do neoplatonismo que poderia, facilmente, ter assimilado isso também; a falar a verdade. Houve mesmo, nos primeiros tempos, uma seita que acreditava na transmigração, mas foi declarada herética. Se não fosse isto, os Cristãos acreditariam na ressurreição de Cristo.

Por que não criou Deus um mundo livre de sofrimentos e de aflições no princípio, quando não havia no indivíduo mérito ou demérito nos seus atos?

Talvez, para isto não haja solução ou quem sabe, não seja eu bastante sagaz para encontrá-la, o que é mais provável.

Segundo Ramakrishna, o mundo é um jogo; neste jogo há tristeza e alegria, virtude e vício, saber e ignorância, bem e mal. O jogo não poderá continuar se o sofrimento e o pecado forem banidos da criação.


Eu rejeito esta explicação. A melhor sugestão que posso oferecer é que o mal é o correlativo natural do bem.”

3 comentários:

  1. Se não era intenção que sua mais querida criação corresse tal risco, qual sentido introduzir tal mal no Paraíso.
    Aquele que tudo pode e tudo sabe, antecipadamente podia ter evitado e sabia o que ali ocorreria.

    A bíblia é um livro vencedor, ultrapassa séculos atraindo leitores e atingindo bilhões de almas neste mundo. Todavia, seu maior mérito não está na lógica, que francamente não possui, mas está na sua indestrutível capa a proteger seu cariz de inquestionável, que como o bem nos motiva e emociona, porém ao mal inspira a punição.

    Ao bem chamamos Deus, ao mal o inimigo. Para os de Deus toda bênção e toda graça, para os outros o castigo.

    Na verdade isso não é isso, a bíblia, a fazer esse ou aquele homem melhor, há quem a tenha permanente à cabeceira e seja um bom filho da pura, assim como há gente de puro amor que nunca a tenha lido.

    As fábulas são diversas, estando nos olhos de quem as lê a real janela de uma alma que tanto pode se inspirar num livro sagrado para justificar a violência ou no Pequeno Príncipe para realizar amor.- Alexandre Duarte

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  2. Esta frase não faz sentido pois vejamos: "Ora, se um ser superior criou o Universo a partir do nada, como se propõe, logo esse ser estava em lugar nenhum. Se ele não estava em lugar algum, consequentemente, ele era um nada também." Ora desde quando algo para existir tem de estar atrelado ao espaço? As essências explicitadas por Platão em sua vasta obra ocupam espaço? Não, porém existem. Deus é por natureza imaterial, pois imutável. Se ele existe é preciso que necessariamente seja imutável, portanto transcendente ao espaço-tempo. Logo não pode ocupar espaço pois só coisas feitas de matéria, ocupam.

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